Instrução | Ciência
Horror ao futebol: suga espaço dos outros esportes
Por Fernando Fontoura
15/12/2022 às 21h06

Vou dividir o título em dois assuntos: 1) futebol enquanto atividade cultural e 2) como mais um dos esportes. Na verdade, esses tópicos estão interligados, mas dá para dividi-los em assuntos quase independentes.

O futebol enquanto atividade cultural no Brasil é um sanguessuga. Ele aprisiona, suga, consome, rouba todos os outros elementos que poderiam ser mais bem aproveitados em outras áreas ou questões culturais. O futebol consome, rouba, suga o tempo, o dinheiro, o espaço de tudo o mais. Nas rádios e televisões (espaços de mídia) ele ocupa um tempo absurdo. É o comentário pela manhã do jogo que vai ter a tarde ou amanhã ou no final de semana. Depois vem o pré-jogo, o jogo, o pós-jogo, grupo de comentaristas comentando o mais do mesmo todos os dias, como se fosse realmente um assunto importante e de relevância nacional.

Neste espaço, 10% dele, poderia ser discutido coisas como ética, educação, sociedade, etc. E como o futebol ocupa tempo e espaço, suga também o dinheiro. A maior parte dos recursos financeiros vão para este esporte, em detrimento de todos os outros. Uma vez eu estava no exterior e quando viram que eu era brasileiro, começaram, "Neymar, Neymar!!". Eu disse, "Machado de Assis, Érico Veríssimo!!" Olharam-me com cara de espanto. Do que eu estava falando? Mas a culpa não era deles, mas nossa, enquanto cultura. Érico Veríssimo, certa vez no exterior, perguntaram para ele de onde ele era. Disse ele, "Sou de uma cidade onde tem orquestra sinfônica!". Tamanha é a importância cultural disso, mas que, em um país consumido pelo futebol, vira até piada.

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Peguemos outro país que dá muita importância ao esporte, Estados Unidos. Qual é o esporte número um deles? Acho que dá para dizer que é o futebol americano. Mas também é muito forte o basquete. Também o beisebol. Também o tênis. O soccer, nosso futebol, hoje tem força também lá. E quando digo "força", quero dizer espaço, tempo e dinheiro. É realmente uma democratização do esporte e não um totalitarismo futebolístico, como aqui.

Durante algum tempo, dei aulas de tênis e fiz eventos. Tive, nesse tempo, um aluno que era um âncora de um grande canal de televisão e rádio aqui do Sul. Chegava em dezembro, ele me dizia, "Faça algum evento agora que acabou o Brasileirão, que aí coloco você na mídia para divulgar o tênis". Exatamente assim, quando não tem mais futebol as outras modalidades aparecem. Sai a sombra do gigante, aparecem as luzes para os esportes menores. Aliás, qual seria o esporte que mais identificaria o Brasil? Para mim não é o futebol, mas o vôlei. De muito mais sucesso, mais sério, mais organizado, mais constante do que o futebol.

Não vou nem entrar na questão "moral" do futebol, que é outro horror. Vou deixar isso para outro texto. Só vou mencionar que o futebol brasileiro é um dos piores (se não o pior) exemplos para uma educação em valores. Se formos pegar esse esporte como modelo de uma educação em valores, teríamos que tirar quase todos os jogadores que são exaltados pela mídia.

Tenho horror ao futebol brasileiro! Tudo o que ele representa culturalmente, esportivamente e como modelo de qualquer coisa de valor que ele possa querer passar. É preciso criticar o xodó cultural de um povo que aceita passivamente aquilo que os poderes midiáticos e financeiros nos colocam goela abaixo. E quanto mais consumimos futebol, mais damos a esse poder cego e burro que é a mídia futebolística, estatuto de poder e verdade cultural.

Fernando Fontoura; ex-professor de tênis por dez anos e filho da tenista Henny Fontoura; já publicou dois livros técnicos - "Configure seu Jogo"; em 1998; e "Tênis Para Todos"; em 2003. Atualmente escreve "Filosofia das Quadras"; uma reunião de suas principais crônicas.

fcdafontoura@hotmail.com


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