O penúltimo capítulo da tragetória de Gustavo Kuerten até o título de Roland Garros em 1997 foi também o único em que o catarinense jogava como favorito. A semifinal diante do belga Filip Dewulf, disputada no dia 6 de junho, reunia dois jogadores que não eram cabeças de chave, mas Guga era o mais cotado para vencer por seu próprio ranking e os dos adversários que superou durante a campanha. O catarinense confirmou sua condição ao vencer por 6/1, 3/6, 6/1 e 7/6 (7-4) em 2h14 de partida.
Então 66º colocado aos 20 anos, Guga vinha de vitórias sobre dois top 5 e últimos campeões de Roland Garros, o austríaco Thomas Muster na terceira rodada e o russo Yevgeny Kafelnikov, além de ter passado por bons nomes como Andrei Medvedev e Jonas Bjorkman, que apareciam entre os 23 melhores do mundo à época.
Era apenas o segundo jogo no torneio que Guga enfrentava um jogador com ranking pior que o dele. Entretanto, na estreia contra o tcheco Slava Dosedel, ele carregava um retrospecto desfavorável com duas derrotas para o rival naquele ano.
Já Dewulf teve sua vitória mais expressiva sobre o sétimo colocado Alex Corretja nas oitavas de final e também havia vencido o italiano Cristiano Caratti, o brasileiro Fernando Meligeni, o espanhol Albert Portas e o sueco Magnus Norman. Aos 24 anos, o belga já tinha sido top 50, mas deixara o grupo dos cem melhores em fevereiro daquela temporada e jogou em Paris apenas como o 122º do ranking.
Foi um jogo especial para a família Kuerten. A mãe, Alice, e a avó, Olga Schlöesser, viajaram para a França dispostas a acompanhar a primeira semifinal de Grand Slam do jovem tenista. As duas se juntaram à comitiva que já tinha o técnico Larri Passos e o irmão mais velho Rafael, que estava acompanhado da namorada, Letícia. Também estavam presentes nomes com história no tênis brasileiro como Cassio Mota, Paulo Cleto e o investidor Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha.
A improvável semifinal foi chamada pelo próprio catarinense na autobiografia Guga, um brasileiro (Sextante, 2014) como A Batalha dos Sobreviventes. Já no documentário "O Guga", produzido este ano pela Federação Francesa de Tênis, ele fala sobre a condição diferente que entrou em quadra para a partida: "A semifinal foi muito particular, porque foi o único jogo que eu entrei com favorito. E eu me sentia pronto para lidar com esse favoritismo, que foi difícil". Do outro lado da chave, estavam o espanhol Sergi Bruguera, bicampeão de Roland Garros em 1993 e 1994, e o australiano Patrick Rafter.
Com um rival de estilo de jogo parecido com o de Kafelnikov, Guga apostou em uma tática agressiva no começo da partida e teve sucesso, mas baixou a intensidade durante o segundo set e cometeu muitos erros não-forçados, que possibilitaram o empate do rival. O catarinense retomou a confiança e dominou a terceira parcial. Primeiro a quebrar no quarto set, Guga liderou por 5/4, mas não aproveitou a chance de sacar para o jogo. Dois games mais tarde, confirmou o serviço para forçar o tiebreak e jogou de maneira muito mais paciente, esperando pelos erros do adversário, que de fato aconteceram, para carimbar a passagem para a final de Roland Garros.
Outra passagem retratada por Guga em seu livro diz respeito à preferência de adversário para a final. Como havia sido o primeiro a conquistar a vaga, o catarinense disse aos jornalistas na época que não faria opção por nenhum dos possíveis oponentes. Mas, em seu íntimo, ele torcia contra o estilo de saque e voleio de Rafter e a favor de um jogo franco com trocas de bola do fundo de quadra de Bruguera. Para a alegria do catariense, o espanhol avançaria.
Confira outros capítulos do especial Guga 20 anos
03/06 - Guga 20 anos: O primeiro ato contra Kafelnikov
01/06 - Guga 20 anos: Dois dias de luta contra o 'Urso'
30/05 - Guga 20 anos: A 'zebra' elimina o top 5 Muster
28/05 - Guga 20 anos: Vitória sobre Bjorkman valeu o top 50
26/05 - Estreia de Guga em Roland Garros completa 20 anos
Confira a entrevista: 'Foi muito absurdo este título', diz Guga sobre 1997