A grande fase do russo Daniil Medvedev tem deixado muita gente empolgada mais uma vez pelo que pode fazer a nova geração de tenistas, mas não é o caso de Fernando Meligeni, que vê falta de gana e coragem na chamada 'Next Gen'. Para ele, apesar de todo o brilhantismo de Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic, os três só seguem dando as cartas no circuito porque os mais novos não têm tanta vontade de derrubá-los.
“Eles estão fazendo a história dos três, nunca vi uma geração tão permissiva como estou vendo agora. Se você pegar Tsitsipas, Medvedev e toda essa turma, é muito melhor do que a turma que chegou para tirar Sampras e Agassi. Mas pergunta para o Guga se ele deixou os dois ganharem dele. Quando deram a oportunidade, passou por cima”, afirmou o ex-top 25 da ATP em entrevista exclusiva para TenisBrasil.
Meligeni também falou sobre o comportamento do australiano Nick Kyrgios e disse que os principais responsáveis por tudo isso são as entidades que comandam o tênis e que não impõem limites aos jogadores. “Estão com medo de tomar providências porque têm medo que o cara não jogue. Kyrgios está esperando alguém dar critérios para ele”, analisou Fininho, dono de três títulos como profissional.
Leia e entrevista completa com Meligeni:
Como você vê o momento atual do tênis brasileiro?
Eu acho que estamos em um momento muito complicado, o que me assusta um pouco é que os jogadores mudaram, os treinadores mudaram, a cotação do dólar mudou, o tênis mudou, o circuito mudou e a gente não mudou. Continuamos fazendo mais ou menos as mesmas coisas. E isso não é uma crítica velada a ninguém, apenas acho que estamos demorando demais para perceber que precisamos mudar e quando eu falo isso é mudar geral. Fazer o tênis que a gente fazia 20 anos atrás, dando o pouco dinheiro que sobrou sempre para as mesmas pessoas, segundo uma percepção minha, não vai dar certo. O nosso jovem mudou e precisamos estar mais próximos dele e não estou vendo esse movimento de susto. Sabe quando uma empresa está sentindo que vai para bancarrota? Então, eles fazem mudanças. Ou vamos dizer que está tudo OK e veremos o resultado disso daqui 5 ou 10 anos. Lá atrás eu falava, sem demérito algum, que daqui a pouco iríamos virar a Bolívia. Hoje eles têm o Hugo Dellien e nós não temos alguém como ele. Está ficando claro que temos bons jogadores, como Thiago Wild, (Gilbert) Klier e até o Fê (Felipe Meligeni), mas poucos conseguiram romper as barreiras. Todos os jogadores nossos que estão no circuito são velhos e precisamos fazer alguma coisa diferente.
Por falar em diferente, foi feito o centro olímpico, mas irá completar 4 anos dos Jogos do Rio no ano que vem e ainda continuamos com sua estrutura subutilizada. Como você vê tudo isso?
Eu não culpo a confederação ou a federação do rio porque já sabíamos que aquele colosso custa 100 mil reais por mês e não há uma entidade que possa pagar isso. O governo ia jogar nas costas de alguém e por isso não dá para falar de legado. Fizeram uma ação de um ano e meio com o Felipe e o Orlando lá na Espanha, os dois devem terminar lá pelos 300 do mundo. Falando especificamente do Felipe, tiraram ele de 1.000 colocaram ele entre os 300. Isso é um acerto, mas está na hora de fazer outras ações dessa. Não sei se essa é a ação mais certa ou se esses eram os jogadores que deveriam estar, mas vê que se fez alguma coisa diferente e até certa forma deu certo. Não dá ainda para se falar em top 100, mas deu certo. Seja qual for a ação, temos que fazê-las, mas precisa ser mais rápido. O Centro de Treinamento é uma coisa que se fala há muitos anos, trazer um treinador de fora do país é outra, melhorar e unir nossos treinadores é mais uma. Está claro para mim que precisamos de um centro de treinamento, alguns falam que não. Acho que temos que reunir os melhores treinadores do Brasil em um lugar só. Perdemos o Leo Azevedo, perdemos Jaime Oncins e mais um monte de outros nomes que estão treinando lá fora e poderia estar aqui ajudando o tênis brasileiro, mas estão ajudando a federação escocesa ou a norte-americana. A culpa não é deles, fomos nós que não os seguramos e acho que está na hora de fazer algo diferente.
Você citou Jaime Oncins, que estreou recentemente como capitão da Davis. O que achou dessa mudança? E como avalia o novo formato da competição?
São dois pontos aí. O primeiro é essa Davis que não é mais Davis. Eu não gosto dessa mudança, acho ela péssima. Sobre a entrada do Jaime, acho que foi um acerto absurdo da Confederação, é o melhor nome que se poderia ter nesse momento, melhor que eu e que o Guga. Já nesse primeiro confronto deu para ver o seu dedo na equipe, colocou os jogadores com ideia do que é Copa Davis e acho que já tínhamos perdido um pouco isso. A competição deixou de ser uma meritocracia para ser um experimento e eu não gosto disso, acho que quem está lá tem que ser sempre os melhores. Par mim, o Jaime tem toda a cara para tratar a Davis da maneira devida. Se eu pudesse falar uma coisa só para ele seria: seja você como técnico o mesmo que foi como jogador. Tenho certeza que mudará a cara do time se o deixarem trabalhar, aquela cara de anjinho e um diabinho jogando.
Agora além dessa Nova Copa Davis também teremos a ATP Cup, em um formato bem parecido, e também há a Laver Cup, que recentemente encarou sua terceira edição. O que você acha dessas novas competições?
Fiz um post criticando a atitude dos jogadores na Laver Cup porque acho que eles deveriam agir assim sempre. Era uma competição que não tinha ponto e só tinha garantia. Você via um companheirismo e uma união, com todo mundo se jogando na bola, tanto que o Nadal até se machucou. Essa é a atitude de um atleta representante do esporte tênis e deveria ser assim em todas as competições. O mundo mudou e os atletas mudaram, hoje as pessoas são muito egoístas. Conheço muito bem os jogadores e a história do nosso esporte e sei que o atleta merece todo o dinheiro do mundo, mas precisa tomar cuidado sobre essa linha tênue entre o dinheiro e o empenho. Esses novos torneios como ATP Cup ou Piqué Cup, porque isso aí não é a Copa Davis, é uma compra de jogadores e eu não gosto. Na Davis, o tenista não tem que olhar o dinheiro. Em todas as outras semanas você pode pensar no dinheiro, mas nessa tem que ser pelo país. Daqui a pouco vai ter jogador pedindo garantia para disputar Olimpíada ou Pan-americano. Quem educa é a entidade e não estão fazendo isso, aí depois reclamam do Kyrgios. O grande vilão de tudo isso aí não é o Kyrgios ou o Fognini, ou o Medvedev, o grande vilão é a ATP, a ITF, a USTA, que na dúvida dão mais dinheiro. Você tem que aprender como em casa, quando eu fazia alguma coisa errada meu pai não me dava mesada. Para os fãs, um torneio como a Laver Cup é um ótimo evento, mas temos que lembrar que não passa de exibição.
Já que você citou o Kyrgios, qual sua opinião sobre seu comportamento?
Ele é um tipo de cara que já tivemos vários iguais no circuito. Não adianta dar punições se não tem critério, o que está faltando é justamente isso (a entrevista foi realizada antes da ATP ameaçar o australiano com 16 semanas de suspensão). Quando eu jogava, sabia que se brigasse com um adversário, se desse um tapa em um adversário, companheiro de dupla ou árbitro, seja no clube, no hotel ou num raio de não lembro quantos quilômetros, eu e qualquer outro tenista seria suspenso. Você sabe da história de um tenista que brigou com o outro? Nenhum, porque tem critério. Agora, não adianta você tentar punir o Kyrgios por seis meses se isso não está claro na regra. É algo urgente que precisa ser feito, mostrar os critérios para essa nova geração. Meu filho é diferente para mim do que eu fui para meu pai, então tenho que colocar limites dentro de casa e aí ele vai saber até onde pode ir, mas os tenistas não sabem até onde podem ir. Porque tem muito dinheiro e fama, e tudo isso corrompe. E as entidades estão com medo de tomar providências porque têm medo que o cara não jogue. Kyrgios está esperando alguém dar critérios para ele, botar limite.
Federer, Nadal e Djokovic parecem meio que insubstituíveis no momento. Você acha que o tênis irá sentir muita falta deles quando pararem?
Vou usar uma expressão um pouco chula, mas está faltando colhões para essa Next Gen. Eles estão fazendo a história dos três, nunca vi uma geração tão permissiva como estou vendo agora. Eles jogam muito mais tênis do que a geração anterior. Se você pegar Tsitsipas, Medvedev e toda essa turma, é muito melhor do que a turma que chegou para tirar Sampras e Agassi. Mas pergunta para o Guga se ele deixou os dois ganharem dele. Quando deram a oportunidade, passou por cima. O mesmo aconteceu com o (Marcelo) Ríos. Essa geração teve sua oportunidade e o que eles fizeram foi passar a bola de volta. Não dá para comparar Guga, Ríos, aquela geração para essa turma do Next Gen. Levantamos a bola deles porque o Sascha (Zverev) fez isso e aquilo, mas ele não limpa o pé do Guga, na minha visão de tênis. Falo isso porque o Guga é vencedor e se você desse um centímetro, mesmo que fosse o Agassi e ele tivesse apenas 17 anos, ele não deixava a chance escapar. (Alex) Corretja quando entrou no circuito também não tinha medo de quem era número 1 do mundo, não estava nem aí. Isso está faltando para essa geração aí. Tem uma grande frase de um cara que eu idolatro demais, que é o David Ferrer, que mostra bem o que é isso aí: "Sou melhor entre os humanos". É a pior declaração que já ouvi na vida, você não pode ficar feliz de estar atrás dos caras, tem que querer passar por cima.
Talvez o Medvedev possa ser o cara para derrubar o Big 3?
Vamos ver, mas não pode ficar esperando os três pararem. Eu achei legal o que ele fez no US Open, mas no 1/1 com 15-40 (no quinto set da final) ele segurou o braço. Bota o Guga ali depois de estar perdendo de 2 sets a 0, empata o jogo e olha para o outro lado e vê um Nadal desesperado, ofegante e reticente. E o que o Medvedev fez? Jogou bem um ponto ou outro, mas o resto ele deu, faltou coragem de ganhar. Pode ser número 1 do mundo daqui a pouco, mas parece que ele e os demais estão esperando os três largarem o circuito.
Você falou que tem ajudado a Carolina Alves à distância e brincou que é um ‘técnico de whatsApp’. Há alguma possibilidade de te vermos no circuito como treinador, ainda que seja em um esquema de poucas semanas?
Se o (Juan Martin) del Potro e a Carol me pedissem isso e eu pudesse fazer, iria fazer com a Carol. Se o Federer me pedisse para viajar com ele por 10 semanas e eu pudesse, viajaria com a Carol e o Felipe. Não é o que eu quero e não é o que vou fazer. Poderia até fazer com a Carol, mas minha vida está totalmente atribulada e não acredito no ‘técnico de whatsApp’, mas tento ajudá-la conforme eu posso com o tipo de vida que eu levo. Como será daqui a 5 anos eu não ei, talvez possa ser, mas está muito certo que eu não quero entrar no circuito e treinar um figurão. Quero ajudar o tênis de outra maneira e exijo respeito disso. Só que quando você fala dos meus sobrinhos é uma outra coisa e se eu puder ajudá-los é legal. Nesta semana a Carol estava treinando comigo, mas tenho evento todos os dias e ela tem o torneio no Pinheiros para jogar.
Como estão seus projetos nesse momento?
Eu tenho minhas clínicas, faço 30 por ano. Tenho meu aplicativo, as coisas que escrevo e um projeto que ainda não posso falar, mas que devo revelar em fevereiro do ano que vem. Não sei se volto para a televisão, isso é uma coisa que não planejo embora as pessoas peçam. Tem que ser um projeto bem legal para o tênis e não só botar lá para comentar e mais nada, para me trazer de volta tem que fazer um programa e mostrar que quer ajudar o tênis.