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Guga quase desistiu, mas foi 'movido pela esperança'
02/12/2020 às 08h56

Há 20 anos, Guga conquistava a Masters Cup e chegava à liderança do ranking da ATP

Foto: Arquivo
por Mário Sérgio Cruz

A histórica campanha de Gustavo Kuerten para o título da Masters Cup de 2000 e sua chegada ao topo do ranking mundial no fim daquele ano, por pouco não foram abreviadas. Vinte anos depois de sua conquista, Guga lembra que esteve perto de desistir da competição logo depois da derrota para Andre Agassi, ainda na primeira rodada da fase de grupos. Naquela partida, o brasileiro começou a sentir um incômodo nas costas, que o acompanhou ao longo de quase todo o torneio, especialmente nas três primeiras partidas. Guga persistiu  e diz ter sido "movido pela esperança" até reencontro com Agassi na decisão, desta vez com final feliz para ele.

"Eu saí do clube pensando: Não sei se dá para entrar em quadra mais, não tanto pela parte física, mas o meu estado de espírito tinha ido embora", disse Guga, em depoimento a jornalistas na última terça-feira. "Naquele jogo de estreia eu tive um primeiro set estupendo contra o Agassi, jogando em um nível tênis que eu nunca tinha feito. E a partir dali, fui me deparando com algumas encruzilhadas e me afundando sozinho".

"O Agassi não jogou bem naquela primeira partida, ele não vinha de uma boa série de torneios. Mas, de repente, eu fui errando tudo. Até a questão dos portugueses torcerem por ele foi motivo de insatisfação para mim", relembra o brasileiro, que estava com 24 anos durante o torneio e iniciou aquela semana na vice-liderança do ranking. "E nessa hora, quem procura um problema, acha vinte. Ainda mais dentro da quadra, naquela situação. Então eu fui me afundando cada vez mais, ao ponto de chamar o fisioterapeuta, achando que ainda poderia vencer, mas acabei saindo completamente derrotado em todos os aspectos".

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Amor de mãe deu forças pra continuar
Guga lembra o abalo que sua equipe teve, não só pelo resultado negativo na estreia, mas também por sua condição física. Ele também destaca o quanto foi importante a presença de sua mãe, Alice Kuerten, após a partida. "Eu parecia um zumbi e isso contagiou toda a nossa equipe. Todo mundo foi murchando, inclusive o próprio Larri [Passos, seu treinador], que normalmente é mais inabalável. E a minha mãe foi a peça extraordinária nesse momento. Ela ficou comigo no quarto até 5h ou 6h da manhã, quando eu consegui dormir. Eu estava com tantas coisas todas na cabeça, e ela lá me dando carinho, amor e afeto. É a melhor solução que tem na vida. Foi aquilo que me trouxe de volta".

Diferente do que acontece atualmente no ATP Finals, com o torneio realizado em oito dias e oferecendo um dia de descanso entre cada jogo da primeira fase, a competição naquela época durava apenas seis dias. Com isso, Guga teria apenas uma folga até o fim do torneio e entrou em quadra durante quatro dias seguidos para chegar ao título inédito e ao topo do ranking.

"É a esperança que sempre me moveu. Foi mais do que o tênis, ou a possibilidade de título, ou de me transformar no número 1. Eu continuei no torneio pela a esperança de vencer mais um jogo. Foi assim que eu entrei em quadra contra o [Magnus] Norman. Uma hora antes da partida, eu não sabia se ia jogar. Um cara estava lá de alternate, para compor o torneio caso alguém se machucasse, e ele estava pronto para jogar. Só não me lembro agora quem era", comentou Guga, que se recuperou da derrota na estreia e venceu Norman por 7/5 e 6/3.

"E de fato eu queria muito participar. Era lindo jogar aquele torneio. Era a hora que a gente mais espera o ano inteiro. Todo mundo luta muito para chegar lá. Então não importava como. Se eu tivesse condições, jogaria de qualquer jeito. Foi essa esperança que eu mantive acesa", comenta o catarinense. "Comecei a olhar o copo meio cheio e baixei minhas expectativas para simplesmente voltar a gostar de jogar tênis, a entrar em quadra e sorrir, mesmo todo doído. E nisso as peças foram se encaixando e me trouxeram um fôlego extra".

"Eu lembro que eu jogava com uma faixa, dá para perceber nas imagens da época. Isso me deu sorte, porque sou todo desengonçado, todo torto, mas deu uma encaixadinha nas costas. E o meu jogo começou a entrar tudo. E aí essa esperança foi crescendo ao longo dos dias ao ponto de ficar inabalável", vibrou Guga, ao lembrar sua recuperação no torneio. Ele conseguiria sua segunda vitória e a vaga na semifinal depois de superar o russo Yevgeny Kafelnikov por 6/3 e 6/4.

Por conta de todos os problemas físicos, Guga apostou em uma tática agressiva, definido os pontos com poucas trocas de bola e arriscando bastante no saque. "Antes do torneio, o Larri chegou para mim e falou: 'Cavalo, nós temos que ser agressivos', eu perguntei quanto, e ele me disse: 'Ao limite, vai para o estouro! Fecha o olho e dá-lhe com força!'. E ali não tinha outra hipótese, e talvez até me ajudou com as costas", revelou o tricampeão de Roland Garros.

"E a nossa estratégia era justamente essa, definir os pontos em três ou quatro bolas. Contra o Norman, eu até costumava ser mais agressivo, mas com o Kafelnikov foi uma surpresa para ele. Tanto que o primeiro set foi muito rápido. No primeiro saque dele, eu já saía acelerando, mesmo que erasse a devolução. Eu sabia que era o único caminho. Ali era 100% convicção, precisa acelerar e ser agressivo. Ao longo do torneio eu fui percebendo que era melhor ainda se eu fosse agressivo na hora dos pontos chave, quando mais precisava".

Estudo de Agassi e Sampras foi fundamental

Algoz de Pete Sampras na semifinal e de Andre Agassi na decisão, Guga também conta que estudou demais os duelos que os norte-americanos faziam entre eles para conhecer os pontos fracos de adversários desse nível. "De 99 para 2000, o Larri começou a me preparar para ser número 1 do mundo. E cada jogo que via do Agassi contra o Sampras, eu olhava o que um fazia para jogar contra o outro. Lembro que eles fizeram um jogaço no US Open e que o Sampras venceu. Mas eu comecei a perceber uma jogada que ele fazia com o Agassi, que me chamou atenção. Era subir à rede na esquerda do Agassi com boas profundas, ao invés de uma bola mais rápida. E se vocês olharem no 5/4 do terceiro set, 30-iguais, é a bola que eu uso direitinho para chegar ao match point".

"E contra o Sampras, da mesma forma. Algumas jogadas que o Agassi fazia, eu comecei a botar em prática. E até mesmo aquela devolução que fazia ele volear a primeira bola para dar a passada na segunda. De fato, fui montando a estratégia ao longo do ano. Eu perdi a final de Miami para o Sampras no detalhe. Foram quatro horas de jogo, com chances de ganhar, tiebreak para todo lado. Aí percebi que o cara era de verdade, um ser humano, faltou o mínimo para vencê-lo. Eu tenho a chance e está aqui a prova disso".

"Eu estava todo dolorido, mas com aquela fagulha acesa. Foi quando o Larri me pergunta: 'Vamos ser número 1 do mundo?'. Eu era o número 3 ou 4 naquela época, atrás do Sampras e do Agassi [e de Kafelnikov]. Ali já estava apresentado o que teríamos que enfrentar", relembrou Guga, quando perguntado sobre o momento em que ele vislumbrava a possibilidade de se tornar o melhor tenista do mundo.

Da pressão pelo número 1 ao conto de fadas
O brasileiro reconhece que também conviveu com um pouco de pressão para assumir a liderança. "Desde que eu ganhei Roland Garros, o número 1 pintou em cores vivas. Era uma questão de tempo, e foi aí que eu me atrapalhei. No começo da temporada dos Estados Unidos, eu fui semifinalista de Cincinnati e campeão de Inidianápolis. E a partir daí, a cada semana eu poderia ser número 1 do mundo. Virou um pandemônio. Eu não tinha capacidade de suportar".

"No US Open, por exemplo, eu sabia que se ganhasse três partidas ou quatro eu seria número 1, independente de o Agassi defender ou não os pontos. Eu estreei contra um cara corta-físico, chamado Wayne Arthurs, australiano. Ele sacava e voleava. Não dava ritmo, mas consegui ganhar o primeiro set. De repente chega o Brad Gilbert, técnico do Agassi, entra na quadra e começa a assistir o jogo. E aí eu fui errando uma atrás da outra. Quando ele viu que eu já tinha me encrencado, ele saiu do estádio", relembra, sobre a derrota ainda na primeira rodada do Grand Slam nova-iorquino.

"Para ser o número 1, você tem que arrancar os caras de lá. Eles só vão sair na marra. Na hora de acontecer, foi quando eu comecei a fazer uma série de lambanças. A ponto que lá em Portugal, ninguém mais acreditava. Não fazia mais parte de nossa realidade. E foi justamente assim que eu consegui alcançar esse feito. É fantástico, parece um conto de fadas! Na estreia eu estava deitado no chão, saindo praticamente arrastado. Quatro dias depois, tive aquela energia estupenda para vencer o Sampras e o Agassi. Não tem uma explicação real para tudo isso, em termos de porquês. Foram as motivações e esse tempero de amor e carinho que me trouxeram novamente para sonhar. E a partir daí as coisas foram se encaixando ao ponto de se transformar no maior momento da minha carreira".

Especial: 20 anos do Número 1
Em comemoração aos 20 anos da chegada de Gustavo Kuerten ao topo do ranking da ATP, TenisBrasil recorda toda a campanha na Masters Cup de 2000 nos mesmos dias em que cada partida aconteceu até o título no dia 3 de dezembro e sua confirmação como número 1 do mundo no dia seguinte. Também estão previstos depoimentos do ídolo do tênis brasileiro sobre um dos momentos mais marcantes de sua vitoriosa carreira.

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