Notícias | Dia a dia | Australian Open
Bia Haddad Maia: De jovem promessa à final de Slam
28/01/2022 às 09h08

Bia é a terceira mulher brasileira a disputar uma final de Grand Slam

Foto: Arquivo
Mário Sérgio Cruz

A chegada de Beatriz Haddad Maia à sua primeira final de Grand Slam premia o longo trabalho na formação de uma tenista, que teve vários obstáculos em sua trajetória, especialmente as lesões. Tratada como grande esperança do tênis brasileiro desde o início da carreira, ela se tornou terceira mulher do país em uma final de Slam, juntando-se a Maria Esther Bueno e Claudia Monteiro.

Bia decide no próximo domingo, a partir de 1h da manhã (de Brasília), o título de duplas do Australian Open. A paulistana de 25 anos atua ao lado da cazaque Anna Danilina, em uma parceria formada de última hora e que teve sucesso imediato, com direito a um título no WTA 500 de Sydney há duas semanas. As adversárias serão as tchecas Barbora Krejcikova e Katerina Siniakova, melhor dupla do mundo. Donas de três títulos de Grand Slam juntas, as tchecas são atuais campeãs olímpicas, de Roland Garros, e também do WTA Finals.

Praticante de esportes desde a infância, Bia já fez futebol, natação e judô. Entretanto, a escolha pelo tênis se deu por influência da mãe, Laís, que é instrutora da modalidade. Os primeiros treinos foram aos seis anos, em uma escolinha do Esporte Clube Sírio. Aos 10 anos, participava de campeonatos paulistas e brasileiros. E com apenas 14 anos, começou a disputar torneios internacionais. Nessa idade, passou a morar sozinha em Balneário Camboriú, Santa Catarina, dividindo atenções entre as cinco horas diárias de treinamento na Academia de Larri Passos e os períodos de estudo.

"Na minha opinião, quando ela treinou com a equipe do Larri Passos, dos 14 aos 19 anos, foi onde ela conheceu o verdadeiro ambiente profissional e entendeu os caminhos que um atleta precisaria percorrer pra atingir seus objetivos. A carreira dela foi consequência de todo um trabalho de formação, dedicação e resultados e fluiu à medida que ela foi conquistando seu espaço", disse Laís Scaff Haddad, mãe da tenista, em entrevista ao site TenisBrasil em maio de 2020.

Destaque pela altura e primeira entrevista em 2011
Desde muito jovem, Bia se destacava pela altura e por seus golpes. Ainda com 14 anos, já media 1,84m e logo conseguiu bons resultados. Ainda em 2010, conquistou em Guarulhos seu primeiro no circuito mundial juvenil da Federação Internacional (ITF). E no mesmo ano já fez sua estreia competições profissionais. Na temporada seguinte, disputou três dos quatro Grand Slam do circuito juvenil, alcançando uma improvável semifinal de duplas em Wimbledon. Também disputou suas primeiras finais como tenista profissional. Em agosto de 2011, perdeu para Maria Fernanda Alves na decisão de um ITF no Clube Paineiras, em São Paulo. Dois meses depois, em Goiânia, conquistou seu primeiro título profissional, com apenas 15 anos, superando a portuguesa Barbara Luz na decisão.

Foi também em 2011 que eu a entrevistei pela primeira vez, em um ITF disputado no Clube Espéria, na Zona Norte de São Paulo. Em 11 de agosto daquele ano, ela havia perdido em três sets para Nathaly Kurata nas quartas de final, mas aceitou conversar depois da partida. Naquele mesmo dia, Fernando Meligeni fazia uma clínica de tênis com jovens e frequentadores do clube. Bia assistiu à palestra.   

Apesar da pouca idade, já falava sobre as diferenças entre ser juvenil e profissional. "Acredito que a principal diferença entre os circuitos está no psicológico das adversárias. Tem menina no juvenil que com a técnica mais apurada que de muitas profissionais, mas que acabam perdendo jogos pela falta de experiência", comentou Bia, que também especulava sobre uma transição para o tênis profissional. "Tudo depende do ano que vem. A minha prioridade ainda é o juvenil. Se fizer uma boa temporada nos grandes torneios, posso sim pensar em subir. Mas acho importante jogar contra as meninas da minha idade, e sentir um pouco de pressão. Faz parte parte da minha formação".

Derrota para Danilina em 2012 e para Krejcikova e Siniakova em 2013
Na temporada de 2012, Bia já se firmava entre as principais juvenis do mundo, chegando a ocupar o 15º lugar do ranking da ITF em abril daquele ano. Ela foi finalista de torneios importantes, como a Copa Gerdau em Porto Alegre, sendo curiosamente superada por Anna Danilina na decisão. Também se destacou nas duplas, chegando à final do juvenil de Roland Garros, ao lado da paraguaia Montserrat Gonzalez. As algozes foram as russas Daria Gavrilova e Irina Khromacheva. Atualmente, Gavrilova defende a bandeira australiana e joga com o nome de casada, Daria Saville. Um ano depois, outra final no juvenil de Roland Garros, e mais uma coincidência. As adversárias na final foram Krejcikova e Siniakova.

Na final juvenil de Roland Garros em 2013, Bia perdeu justamente para Krejcikova e Siniakova (Foto: ITF)

Longo histórico de lesões a partir de 2013
A carreira de Bia Haddad Maia foi bastante prejudicada por graves lesões. A primeira delas aconteceu em julho de 2013, quando fraturou a cabeça do úmero após uma queda em quadra em Campinas. À época houve um pequeno descolamento na cápsula, que não a impedia de jogar, mas o problema se agravou posteriormente. "Coloquei três âncoras para grudar o úmero. Na outra vez só parei porque quebrou, mas não precisei operar", explica Bia, em entrevista realizada no início de 2016.

Por ter ficado mais de três meses sem jogar ou realizar exercícios físicos, ela também não pôde tratar da hérnia de disco que tinha e sentiu muitas dores quando tentou voltar às competições, em outubro daquele ano. Bia estava nos Estados Unidos para disputar um ITF em Macon e voltou às pressas ao Brasil para realizar uma artroscopia na coluna lombar com o doutor Guilherme Meyer. Ela afirma que desde a intervenção, nunca mais foi incomodada pela hérnia. Já em 2015, o problema no ombro voltaria a incomodá-la e a impediu de disputar a medalha de bronze durante os Jogos Pan-Americanos de Toronto. Ela precisou passar por nova cirurgia para sanar de vez o problema e só voltaria a jogar em janeiro do ano seguinte.

As lesões seguiram comprometendo o calendário de Bia Haddad Maia. Em 2017, precisou adiar o início de sua temporada depois de um acidente doméstico que a deixou três meses sem jogar. No ano seguinte, machucou no punho no início da temporada de saibro, enquanto uma lesão nas costas a tirou de Roland Garros. "Com certeza, o mais difícil é lidar com as lesões e as cirurgias, porque eu gosto de jogar tênis. Independentemente de estar ganhando ou perdendo, é o que eu gosto de fazer. Lesionada, eu não posso fazer o que eu amo. Então, isso é pior", comenta em entrevista realizada em dezembro de 2018.

Mesmo com as lesões, vieram títulos, final de WTA e chegada ao top 100
Apesar de tantos problemas físicos, Bia conseguia grandes resultados quando podia manter um calendário de competições. Ainda em 2015, conquistou seu primeiro título de WTA nas duplas, jogando ao lado de Paula Gonçalves em Bogotá. No mesmo torneio, Teliana Pereira foi campeã de simples, completando a festa brasileira na Colômbia. Dois anos mais tarde, foi campeã de duplas de novo na Colômbia, desta vez ao lado da argentina Nadia Podoroska.

Foi também em 2017 que Bia entrou no top 100 de simples, disputando suas primeiras chaves principais de Grand Slam e enfrentou grandes nomes do circuito como Simona Halep, Venus Williams e Garbiñe Muguruza. No mesmo ano, alcançou uma final de simples no WTA de Seul, sendo superada em três sets pela letã Jelena Ostapenko, então número 10 do mundo e campeã de Roland Garros daquele ano. A paulistana atingiu, então, o melhor ranking da carreira no 58º lugar. Essa marca também seria repetida no ano seguinte.

Bia disputou uma final de WTA em 2017, contra a então top 10 Jelena Ostapenko em Seul

"Primeiro eu aprendi que jogar em quadras grandes é um pouquinho diferente, por causa da dimensão da quadra, da arquibancada, da torcida e do barulho. Cada uma tinha uma característica diferente, então eu vi que o tênis está composto de vários estilos", disse em entrevista feita em outubro de 2017. "Esses jogos são importantes para você ver em que nível que você está, o que você precisa melhorar, quais são os seus defeitos e onde você está cometendo erros. A intensidade que elas jogam é muito alta durante muito tempo e eu acho que tiro muita coisa positiva desses jogos. A cabeça delas é diferente. Elas têm consistência para manter o alto nível durante mais tempo, cometem menos erros e a atitude é um pouco mais acima das outras".

2019: Vitória contra top 10, drama do doping e suspensão
A temporada de 2019 começou com uma grande vitória de Bia sobre a norte-americana Sloane Stephens, então número 4 do mundo, em Acapulco. Foi seu primeiro triunfo contra uma top 10. Ela chegaria às quartas do torneio disputado em quadras de piso duro. Semanas depois, no saibro de Bogotá, foi semifinalista e superada por Amanda Anisimova. O ano parecia promissor e teve mais um grande resultado, vitória sobre a ex-número 1 do mundo Garbiñe Muguruza na grama de Wimbledon. Foi então que veio o baque.

Em julho de 2019, Bia foi suspensa das competições depois que as substâncias SARM S-22 e SARM LGD-4033 (agentes anabolizantes) apareceram no resultado de um exame antidoping. A pena imposta foi de dez meses. Mas quando foi autorizada a voltar a jogar, em maio em 2020, o circuito estava paralisado por causa da pandemia. Dessa forma, foram treze meses de muita expectativa e aprendizado.

A jogadora conseguiu comprovar a contaminação cruzada de um suplemento alimentar, que foi consumido sob prescrição médica. Isso atestou que ela não teria intenção de obter vantagem esportiva e fez com que evitasse uma pena ainda maior. Mas segundo o regulamento da ITF, todo jogador é responsável e assume risco por aquilo que consome já que substâncias proibidas podem aparecer (listadas como ingrediente ou não) em suplementos ou medicamentos.

"Acho que o que eu mais aprendi foi dar valor para a vida que eu tenho e para o privilégio de poder viajar e jogar. Posso viver um sonho que eu sempre quis desde criança. Quando a gente sente falta de fazer o que ama, a gente dá mais valor", disse Bia Haddad Maia, em entrevista ao TenisBrasil em dezembro de 2020. "Todas as pessoas que vinham falar comigo foram muito positivas. Desde o começo. Todo mundo me perguntava e queria saber o que tinha acontecido, mas acreditavam em mim. Acho que isso aconteceu pela forma que eu e as pessoas que trabalham comigo somos. E a gente mostra isso dentro e fora da quadra".

Volta por cima desde último no ranking e nos torneios menores
Quando retornou ao circuito profissional, em setembro de 2020, Bia ocupava o 1.342º e último lugar do ranking, com apenas dois pontos. Ela passou oito semanas em Portugal e disputou seis torneios com premiações entre US$ 15 mil e US$ 25 mil, as menores do circuito profissional. Foram quatro títulos, um vice-campeonato e uma semifinal. Assim, recuperou quase mil posições no ranking, fechando o ano no 358º lugar.

Mas já no fim da temporada, precisou realizar procedimento cirúrgico na mão esquerda para reparar uma lesão óssea na falange proximal do dedo médio. "Era algo que eu estava criando já há alguns anos, não é uma lesão que veio da noite para o dia. Então foi um momento bom para resolver isso. Mas não vejo isso como uma coisa ruim, o quanto antes eu pude solucionar foi bom". 

Mais de cem jogos em 2021, volta ao top 100 e vitória sobre Pliskova 
A temporada de 2021 consolidou sua recuperação. Bia disputou 101 jogos e obteve 76 vitórias, o que a ajudou a recuperar muitas posições no ranking. Ela começou o ano ocupando apenas o 359º lugar do ranking, disputando quali de ITF na África do Sul. Conquistou cinco títulos em torneios da Federação Internacional e foi aos poucos voltando aos torneios grandes.

Em outubro, entrou como lucky-loser no WTA 1000 de Indian Wells e aproveitou a chance chegando a derrotar a número 3 do mundo Karolina Pliskova. Ela também conseguiu a maior vitória do tênis feminino brasileiro na Era Aberta. No fim do ano, já era a número 83 do ranking. Outro motivo para Bia comemorar neste ano de 2021 é o fato de não ter sofrido com lesões. 

 

"Com certeza, eu ter ficado saudável é um fator fundamental. Eu aprendi bastante nos últimos anos, fui entendendo cada vez mais como meu corpo funciona, e isso facilita o meu trabalho e facilita a minha comunicação com a minha equipe, para eles também trabalharem", comenta me entrevista de setembro de 2021.

"Cada vez mais a gente tem se conhecido. Eu acho que a gente se comunica muito bem, todos nós. Eu falo todo dia com o meu preparador, todo dia com o meu fisioterapeuta e todo dia com o meu meu treinador e isso muda muito. Acho que estar feliz fora da quadra também ajuda muito". 

Maior título da carreira e primeira final de Grand Slam 
De volta ao grupo das cem melhores do mundo, Bia definiu como meta para 2022 fazer um calendário de torneios grandes. Ela viajou para a Austrália ainda no final de dezembro, planejando jogar um WTA 250 em Melbourne e um 500 em Sydney, antes do Australian Open. "Vou tentar fazer a maior parte do meu calendário de torneios grandes. Quero jogar contra tenistas que vão me exigir mais fisicamente e psicologicamente. Quanto mais eu estiver nesse ambiente, mais próxima estarei do meu objetivo, que é conquistar torneios de alto nível".

Em simples, voltou a vencer um jogo de Grand Slam, contra a norte-americana Katie Volynets, caindo para a ex-número 1 do mundo Simona Halep na segunda rodada. Já das duplas, ela estava inicialmente programada para jogar ao lado de Nadia Podoroska, mas precisou buscar outra parceira após a argentina sofrer uma lesão, não podendo disputar o início da temporada. Foi quando ela convidou Danilina para jogar Sydney e o Australian Open. E logo na segunda semana da temporada, já veio o maior título da carreira.

"Esse título representa que estou no caminho certo e que cada vez mais venho evoluindo o meu autocontrole e também crescendo no desenvolvimento pessoal", falou após a conquista em Sydney. Bia e Danilina já acumulam nove vitórias consecutivas no circuito e a paulistana não se surpreende pelos resultados obtidos neste começo da temporada e que isso é reflexo do trabalho que tem feito nas quadras de treino e de um bom ambiente fora das quadras.

"Um ano atrás eu estava passando o quali de um ITF de 25 mil na África do Sul, salvando match-point. Eu tinha muito claro onde eu estava, o que precisava fazer e onde eu queria chegar. Quando temos as coisas claras, elas acontecem cedo ou tarde. Não me surpreende o que está acontecendo, eu confio muito no meu tênis e acredito na minha equipe e na minha família, e isso é o suficiente para mim".

Relembre algumas entrevistas com Beatriz Haddad Maia

+ Bia acredita que aprendeu muito após lesões (2015)
+ Bia Haddad prioriza trabalho físico e autocontrole (2016)
+ Bia se sente reconhecida e respeitada no circuito (2017)
+ Para Bia, novas lesões doem mais que as derrotas (2018)
+ Bia: 'Aprendi a dar mais valor à vida que eu tenho' (2020)
+ Bia aproveita boa fase e celebra temporada sem lesões (2021)

Comentários