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Sofia de Abreu, 1ª dama do tênis, festeja 100 anos
29/04/2022 às 07h14
Walmor Elias
Especial para TenisBrasil

Assim como faz religiosamente duas vezes por semana, Sofia Helena de Abreu fará nesta sexta-feira sua visita ao Rio de Janeiro Country Club. Mas este 29 de abril é uma data especial e haverá certamente dezenas de amigas a recepcioná-la. A primeira dama do tênis feminino nacional completa 100 anos, lúcida, alegre e espirituosa.

Chegar hoje nessa idade com energia e ainda compreendendo tudo o que ocorre no agressivo e difícil mundo moderno é para poucas pessoas especiais. E Sofia de Abreu conseguiu isso. Morando em frente do seu clube de coração, da janela do seu apartamento ela pode observar jovens treinando e jogando no Country, alguns sonhando em ter uma carreira como ela ou os gigantes Jorge Paulo Lemann e Ronald Barnes.

Sofia começou a ter aulas de tênis em idade avançada, aos 16 anos, pelas mãos do treinador Júlio de Abreu Filho, o Julinho, que acabaria por se tornar também seu marido. Com seu jogo totalmente inovador e diferente do que praticavam as mulheres na época, apenas cinco anos depois entraria para a história ao conquistar o Brasileiro de 1943, de forma marcante e fulminante.

Alegre e atenciosa, ela revela que acompanha os grandes torneios pela TV, diz que gosta de ver Bia Haddad e Luisa Stefani, e observa ficar impressionada com a força, o vigor, a potência do tênis feminino atual e a envergadura das tenistas, segundo ela, muito diferente do modo de jogar da sua época. É admiradora do excepcional Roger Federer, chamou sua atenção a jovem britânica Emma Raducanu e faz ressalvas a alguns gestos mais intempestivos do genial Novak Djokovic.

E ao menos duas vezes por semana ela sempre faz o seu passeio e visita o seu clube, sempre acompanhada da sua eterna acompanhante e vigilante companhia, a dona Sonia, que zela nos cuidados com a nossa raridade, preciosidade e figura especial do tênis e do esporte nacional.

"O tênis me ensinou a ter disciplina, organização, objetivos e planejamento e, principalmente, que temos que fazer tudo com muito amor e uma grande paixão", afirma ela, que perdeu a oportunidade de jogar na Europa devido à Segunda Guerra e depois interrompeu carreira para se dedicar ao casamento. "Poderia ter jogado melhor e mais tempo, mas o casamento e a Guerra me atrapalharam, e terminei viajando pouco. Quando fui a Europa, de navio, foi mais a passeio. Teria sido melhor eu ter jogado mais lá fora. Aprendi muito cedo a jogar no ataque, na rede e o primeiro golpe que aprimorei foi o voleio, que não era muito usado naquela época pelas mulheres".

Românticos anos 30
Em 1922, o Brasil tinha cerca de 31 milhões de habitantes e vivia sob a presidência de Epitácio Pessoa, mas elegeria em 1º de março o seu décimo-segundo presidente, Artur Bernardes, que só tomaria posse em 15 de novembro e governaria o País por quatro anos, até 1926.

Era um ano mágico que ficaria marcado para sempre na nossa história e memória, pois em 11 de fevereiro um grupo de importantes artistas e intelectuais inicia a Semana de Arte Moderna em São Paulo e desde aquele momento, por causa deste Movimento, o País nunca mais seria o mesmo já que mudariam muitos conceitos culturais, artísticos e até a forma de uma elite nacional interpretar e retratar a nossa realidade.

No tênis, cujos primeiros movimentos começaram na década de 1890 em diferentes regiões, clubes e estados brasileiros devido às ações de ingleses e alemães, estava terminando no mundo as eras de Bill Tilden e dos Mosqueteiros franceses e grande sensação era Suzanne Lenglen.

Nascida na bucólica e pacata Caxambu, que é tratada como a segunda maior estância hidromineral do planeta, no Sul de Minas Gerais, Sofia, uma bela e simpática jovem, meiga e afável, olhos azuis, conheceu o técnico e dirigente de tênis Júlio Abreu Filho. Eles se enamoraram, se casaram e foram morar na outrora e belíssima cidade do Rio de Janeiro, ainda sem sofrer as consequências nefastas da super urbanização e concentração populacional.

O Rio por sua vez havia visto surgir em 1916 um dos clubes mais elegantes, aristocráticos, fechados e sofisticados do Brasil, o Rio de Janeiro Country Club, que viu desfilar e dar nome a suas quadras celebridades do tênis como o já falecido Ronald Barnes, o hoje empresário Jorge Paulo Lemann e o excepcional técnico José Aguero. O Country foi fundado por um grupo de ingleses e americanos da Light e da Botanical Gardens, num lugar belíssimo, na frente do mar, Posto 10 da valorizada Ipanema, numa área de 12 mil metros quadrados. Suas seis ótimas quadras de saibro são para um seleto grupo de 805 sócios, que são admitidos num processo complexo e difícil, que muito poucos podem passar.

E foi aí, em 1938, que então Sofia Helena, ao contrário de hoje em que as crianças iniciam muito cedo, resolveu aprender a jogar tênis já com 16 anos, idade onde hoje explodem carreiras e surgem até campeões de Grand Slam.

O sucesso chega rápido
Na ainda pacata e em início de industrialização São Paulo, foi marcado para ocorrer em outro clube sofisticado e aristocrático, a Sociedade Harmonia de Tênis, no Jardim América, o primeiro Campeonato Brasileiro de Adultos de Tênis, que reuniria os maiores nomes e "ases das raquetes" como se falava na época. São Paulo não era o que é hoje.

Naquela 1943, a cidade tinha "apenas" cerca de 1.800.000 habitantes. Um trânsito menos caótico, menos poluição, dois rios, Pinheiros e Tietê, ainda apropriados até para banhos e não havia a explosão imobiliária e o surgimento da verticalização da cidade com seus incontáveis edifícios e uma selva de pedra e muito concreto. E nem havia a miséria e desigualdade humana e social que se alastra pelas periferias e favelas incontáveis de um País difícil de entender e aceitar como o nosso rico, fértil, generoso e abundante Brasil.

Mas era o lugar ideal para o primeiro Brasileiro. Já era o estado mais forte no tênis. A Federação Paulista tinha sido a primeira a ser fundada no País, em 1924.

Registre-se que já existiam os Brasileiros desde longas datas, porém possuíam concepção bem diferente. Eram mais ou menos como os atuais “Interfederações", estado jogando contra outro estado, até uma final, com três jogos, duas simples e uma dupla, a cada confronto. O tênis é um esporte muito individual e todos queriam jogar só, cada um por si e terem títulos pessoais que pudessem se orgulhar. Demorou muito para se viabilizar o novo tipo de Brasileiro que só aconteceu em 1943.

O local escolhido não poderia ser melhor do que o Harmonia, um clube marcante que nasceu de uma dissidência do Clube Athlético Paulistano, que crescera muito e jogar tênis nas suas quadras se tornara difícil. Então, um grupo de sócios resolveu fundar um clube específico e mais exclusivo só para tênis. A Sociedade Harmonia já tinha até um estádio, uma inovação para a época, a "Quadra Anésio Lara Campos". E foi lá que seriam as finais desse primeiro Brasileiro de Adultos, que se realizou no frio mês de maio de 1943.

Vieram tenistas de todo o Brasil. As forças máximas eram os cariocas e paulistas, já grandes rivais na época, mas também estavam lá os combativos gaúchos. Neste evento, que consagraria definitivamente o mitológico Alcides Procópio, já um nome conhecido e respeitado, o torneio nos faria conhecer e teríamos uma surpresa, com a talentosa Sofia Helena de Abreu e seus apenas 21 anos.

Ela já surpreendera o mundo tenístico nacional, pois seu estilo, tática e estratégia, ao contrário das outras mulheres, tinha jogo de ataque, saía do fundo quadra. Atacava, tinha voleios e até smashes. Vez por outra optava pelos "drop-shots", as curtinhas junto à rede e isto era fatal para as jogadoras que não adotavam este tipo de inusitados golpes. As mulheres só ficavam jogando com trocas de bolas no fundo da quadra. E eram longas trocas.

Muito tempo depois, Maria Esther Bueno se consagraria mundialmente exatamente com este estilo de jogo agressivo.

Título histórico e suado
Naquela bela tarde de um sábado, 29 de maio de 1943, após Alcides Procópio ter vencido o histórico e marcante tenista do Club Athlético Paulistano Maneco Fernandes, em cinco longos e difíceis sets, Sofia de Abreu enfrentou a campeã paulista, repetindo a rivalidade daquela época. Egle Barreto Razzini era uma jogadora muito regular, com raça marcante e muita persistência, aquele tipo que nunca desiste e só entrega os pontos depois de muita luta. E devolvia tudo. Difícil prever quem venceria. Sob refletores, Sofia virou por 4/6, 6/3 e 6/3, necessitando de quatro match-points. No último deles, a bola tocou a rede, amorteceu e caiu do outro lado. A história tinha registrado um fato marcante. Nascia ali a primeira das 17 campeãs brasileiras adultas que figuraram até 1990.

Por causa da Segunda Guerra Mundial, ela terminou não viajando ao exterior e assim acumulou muitos grandes títulos no Brasil e na Argentina. Nesta época amadora e romântica ganhar os torneios de Curitiba, Santos e o Brasileiro de Adultos era o sonho de todos os tenistas. Isto era tipo uma “Tríplice Coroa do Turfe” ou um “Grand Slam do tênis”. Era o máximo.

Até 1951, Sofia totalizou seis títulos brasileiros de simples e os oito de duplas, um retrospecto espetacular. Mas a carreira foi curta. Júlio de Abreu, que também era presidente da extinta Federação Metropolitana de Tênis, era um marido muito ciumento e por isso ela se afastou do tênis competitivo muito cedo e apareceu mais em jogos de exibição com tenistas estrangeiras que passavam pelo Brasil, especialmente quando iam participar do famoso Torneio Rio da Prata, que mais tarde se tornaria o Aberto da Argentina, um evento que começou em 1927 e deve ser o mais antigo da América do Sul.

A crônica esportiva e tenística sempre tratou Sofia de Abreu como a nossa maior jogadora antes da era de Maria Esther, principalmente pelo melhor jornalista de tênis do País entre as décadas de 1930 e 50, Moupyr Monteiro, que atuava no extinto Correio Paulistano e colaborava para a revista Esporte Ilustrado e o Correio da Manhã. "Moupyr Monteiro acompanhou muito e divulgou muito bem nosso esporte e era respeitado e admirado por todos. Ele ajudou muito o tênis brasileiro", enfatiza Sofia.

Lemann e presidente do Country Eugênio da Almeida e Silva homenageiam Sofia de Abreu

Na década de 1980 (foto acima), Sofia de Abreu recebeu homenagem do Rio de janeiro Country Club das mãos do então presidente Eugênio Almeida e Silva (à direita) e do sócio Jorge Paulo Lemann.

WALMOR ELIAS, gaúcho de Santa Maria, é bacharel em Comunicação Social e em Letras e Artes, também professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa. Atuou como jornalista especializado em tênis por 13 anos no Correio do Povo e nas extintas Folha da Tarde e Folha da Manhã, de Porto Alegre, e correspondente das revistas Tênis Ilustrado e Tênis. Entre 1977-89, foi dirigente da Federação Gaúcha de Tênis e presidiu a entidade por seis anos, foi vice da Confederação Brasileira entre 1984 e 86 e presidiu a entidade entre 1990 e 93. Aos 70 anos, coordena e dirige atualmente o documentário “As Inesquecíveis Histórias do Tênis Brasileiro” pelo canal Trotamundos do Youtube. Nesta matéria, suas principais fontes de pesquisa, além da entrevista com Sofia de Abreu, foram acervos digitais da Biblioteca Nacional do Rio, e arquivo dos jornais e revistas do período. Fotos do arquivo cedido pelo Rio de Janeiro Country Club e de seu acervo particular.

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