No momento em que o tênis brasileiro chega novamente em alta para Wimbledon, algo que não acontecia desde Gustavo Kuerten, nada mais apropriado do que resgatar a difícil e heroica trajetória traçada pelos pioneiros na dura missão de disputar o mais tradicional e concorrido campeonato do circuito em todos os tempos.
Nelson Cruz, o primeiro a jogar Slam
De forma quase anônima, sem qualquer registro na imprensa brasileira escrita da sua época, conforme extensa pesquisa feita em dezenas de jornais e em diferentes acervos digitais disponíveis, o pernambucano Nelson Cruz, então tenista do Club Athletico Paulistano, chegava a Londres em junho de 1925 para marcar seu nome na história do tênis brasileiro.
A passagem de Cruz por Wimbledon foi tão ignorada que apenas pouco tempo atrás o grande Thomaz Koch confirmou o fato, ao pesquisar a chave de jogos de 1925 num livro editado pelos organizadores sobre o centenário torneio.
Era um mérito Nelson Cruz estar nas verdejantes quadras de Wimbledon, na sua vigésima quinta edição, pois ele era o melhor tenista da época no país e dominaria aquela década de forma incontestável, conforme os resultados dos poucos torneios que tínhamos.
Os jovens nem sabem quem foi Nelson Cruz. Mas ele está nos primeiros grandes movimentos do incipiente tênis brasileiro que engatinhava, ou na linguagem dos tenistas estava num "aquecimento", já que começara a ser praticado em 1890 quando surgiram quadras de tênis em diferentes regiões, por causa dos estrangeiros que trabalhavam aqui, especialmente com ferrovias e empresas de energia elétrica. Em 1900 foi fundado o Paulistano e em 1916, numa divisão e dissidência, se criaria a Sociedade Harmonia. Em 1924, surgia a Federação Paulista
Em 1924 e 25, Cruz jogou os dois primeiros Campeonatos Brasileiros promovidos pela antiga CBD - Confederação Brasileira de Desportos, que naquela época cuidava de todos os esportes. Aqueles Brasileiros eram em forma de como hoje se jogam os Interfederações, estado contra estado, havia uma equipe campeã e não, especificamente, um campeão brasileiro individual. Isso só aconteceria em 1943, e lá estava de novo Nelson Cruz, mas já um tenista mais velho. Antes, em 1932, Cruz estava no grupo de sete tenistas que viajou a Nova York e participou do primeiro duelo nacional na Copa Davis.
Então Nelson Cruz era o personagem ideal para ser o primeiro brasileiro a atravessar as águas oceânicas e ir jogar no mais antigo e tradicional evento do tênis mundial. E assim como na Copa Davis o importante não era só vencer mas aprender, conhecer um tênis mais evoluído e principalmente começar a se inserir no circuito internacional.
É verdade que perdeu seus três jogos, em simples, duplas e mistas. Seu adversário individual foi nada menos que Jacques Brugnon, que viria a ser um dos "Quatro Mosqueteiros" da inigualável esquadra francesa que dominaria a Copa Davis, de 1927 a 1932. O escore foi de 6/2, 6/1 e 6/3. Em duplas, fez parceria com o inglês Erick Portlock e nas mistas jogou com a sul-africana W. G. Lowe.
Wimbledon, vencido nesse ano por Suzanne Lenglen e René Lacoste, dava sinais de que seria um torneio gigante, tendo dias com público de 15.000 pessoas, algo que já seria expressivo nos torneios dos dias de hoje.
Alcides Procópio marca primeiras vitórias
Exatamente 13 anos após Nelson Cruz, quem entraria na quadra e não só venceria um mas dois jogos foi o mitológico Alcides Procópio, o paulista da Sociedade Harmonia de Tênis, que muito cedo já mostrava que veio para o tênis para entrar para a história. Há registros que já com 17 anos era o melhor tenista do país. Nascido em 1916 e falecido em 2002, sua passagem pela Europa não foi longa pois temia como todos a eclosão da Segunda Guerra Mundial, que começou em 1939 e terminou só em 45.
Procópio também é outra figura que esteve ligado a inúmeros acontecimentos importantes da nossa história. Um anos antes de vencer em Wimbledon, foi o primeiro a ganhar um torneio no exterior, no forte Aberto do Rio da Prata de 1937. Em 1943, se tornou o primeiro campeão brasileiro individual, em 1953 arriscou-se a criar uma fábrica de raquetes e material de tênis e também foi um dos pilares do grupo pioneiro que ajudou na fundação da Confederação Brasileira, em 1955. Esteve à frente da Federação Paulista por 26 anos e também liderou por muito tempo a organização de torneios e de exibições no país, ajudando a trazer inúmeros grandes tenistas para jogar em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. Em 1968 criou o tradicional Banana Bowl, que começou a ser disputado em 69 e que viria a ser o mais forte torneio infantojuvenil da América do Sul.
A campanha de Procópio em 1938 nas quadras de grama mais famosas do mundo foi marcante. Na primeira rodada, venceu o belga Leopoldo de Borman, por 6/3, 7/5 e 6/0. Depois derrotou o uruguaio Sebastian Harreguy, por 2/6, 7/5, 6/4 e 7/5. Aí foi barrado pelo iugoslavo Dragutin Mitic, que derrotou Procópio por 6/4, 6/2 e 6/0. O brasileiro perdeu nas estreias de duplas e de mistas, onde fez parceria com a extraordinária Anita Lizana, a maior tenista do Chile até hoje, campeã do Nacional dos EUA, hoje US Open, de 1937.
Há de se registrar que o campeão de 1938 foi John Donald Budge, o lendário Don Budge. Ele venceria também duplas e mistas e daria o terceiro passo para o feito extraordinário obtido pouco depois, quando fechou o Grand Slam nos EUA.
Armando Vieira chega nas quartas
Nossa história mostra o domínio no Brasil de Nelson Cruz na década de 1920, Ricardo Pernambuco no período de 1930 e aí surgiram primeiro Alcides Procópio, em seguida Maneco Fernandes e então aparecia um nome que colocou o Brasil no cenário mundial: Armando Vieira.
Tenista do Club Athletico Paulistano, foi um jogador espetacular para o nível brasileiro e sul-americano. Na grama de Wimbledon, fez uma campanha que o colocou no famoso "Clube dos Oito", que são aqueles que chegam às quartas e ganham uma carteira vitalícia por serem considerados sócios honorários do fechado clube londrino. É uma homenagem a todos os tenistas que chegam nas quartas de simples, o que Wimbledon considera um grande feito. Quem conheceu Armando, sabia com que orgulho ele exibia aquela sua carteira protegida por um plástico. Bastava um início de papo e ele já comprovava e mostrava o seu grande feito por um documento que carregava permanentemente. Além dele, apenas Maria Esther Bueno, Koch, André Sá e Guga Kuerten integram esse seleto grupo pelo Brasil.
Vieira ganhou oito títulos de Brasileiros Abertos de Adultos, entre 1945 e 1955, e ainda há discussões sobre um nono título em 1946. Ganhou três vezes o forte Aberto de Santos, que com o Brasileiro e o Aberto de Curitiba formavam os três maiores eventos do nosso tênis adulto até as décadas de 1960/70. Com dois títulos em Curitiba, ele conseguiu a proeza de arrematar 13 troféus entre os três maiores da nossa era antiga. É um feito notável!
Também disputou Roland Garros e foi à terceira rodada três vezes, em 1951, 53 e 54, o que repetiu nos EUA em 1957. Mesmo hoje é muito difícil um brasileiro atingir um retrospecto assim. O experiente paranaense Ivo Ribeiro, tricampeão brasileiro adulto, o coloca seguramente entre os maiores nomes de toda a nossa história, ao lado do também genial e talentoso Ronald Barnes, que neste ano completa 20 anos de sua morte nos Estados Unidos.
Poucos sabem, mas Armando era o ídolo de infância do grande Thomaz Koch que, bem jovem, lá em Porto Alegre acompanhava o paulista acumulando título sobre título. E ele também é o ídolo antigo do comentarista Domingos Venâncio, que quando Armando morou cerca de dois anos no Rio foi acolhido em sua casa pela amizade que ele dedicava ao paulista.
Antes das quartas naquele Wimbledon, Vieira venceu o Aberto da Holanda de 1951, ganhando do bom tenista filipino Felicisimo Ampon, e perdeu a final no Aberto da Baviera/Munique para para Jaroslav Drobny, além de defender o Brasil na Copa Davis de 1951 a 1957.
O desempenho de Armando Vieira na histórica passagem por Wimbledon incluiu vitória na estreia sobre o austríaco Don Tregoning, por 7/5, 6/4 e 8/6, e em seguida vitória sobre o local Claude Lister, por 6/4, 6/4, 1/6 e 6/3. Então superou o sueco Staffan Strockenberg, por 8/6, 6/3 e 8/6, e eliminou o americano Ham Richardson, por 6/3, 1/6, 6/3 e 6/0. Nas primeiras quartas de final de um brasileiro em Wimbledon, perdeu para o sul-africano Eric Sturgess, por 6/2, 6/0 e 6/3. Ele ainda jogou duplas, onde caiu na primeira rodada, e mistas, em que fez oitavas ao lado da Barbara Davidson. Finalmente o Brasil tinha um tenista de nível internacional.
Vieira ele se mudou para a Flórida em 1956 e durante dois anos que jogou nos Estados Unidos, onde teve no ranking da USTA a posição 17. Em 1958 virou professor. Mas professor bom mesmo ele teve quando jovem, pois aprendeu a jogar com o grande tenista francês Martim Plaa, campeão do Adulto Francês (que é confundido com Roland Garros) em 1931 e foi vice em 33 e 35. Plaa chegou a ganhar finais de Bill Tilden, viveu no Brasil cerca de três anos e atuou no Paulistano, algo que raramente foi divulgado por aqui.
Brasil teve quatro nas chaves de 1952
Se hoje é difícil ter brasileiros nas chaves de simples em Wimbledon, imaginem o quão marcante foi o nosso país ter quatro representantes em simples masculinas em 1952, embora um deles fosse de origem chilena que veio viver, morar e morreu no Brasil. Isso demonstrava que o Brasil começava a se inserir definitivamente no cenário mundial.
Nesse ano, Vieira fez bonito e chegou nas oitavas, derrotado pelo futuro campeão da Austrália, Ken McGregor, por 5/7, 6/3, 6/1 e 6/3. Os demais perderam na primeira rodada: Eugenio Saller para o italiano Fausto Gardini, 7/5, 7/5 e 6/3; Pedro Guimarães para o americano Grant Golden, por 6/2, 6/1 e 6/0; e José Aguero, para o dinamarquês Torben Ulrich, por 6/0, 6/2 e 6/3. Vieira ao lado de Saller e Aguero com Guimarães também fizeram duplas, sem avançar.
Ingrid Metzner, a desbravadora
Já dava para estranhar que nenhuma mulher aparecesse nos torneios de Grand Slam até 1955 e isto mostra mais uma vez que para o nosso tênis feminino tudo é sempre mais difícil. Mas em 56 a tenista do Esporte Clube Pinheiros Ingrid Metzner foi tanto em Roland Garros como em Wimbledon.
Nos dois torneios passou pela primeira rodada, mostrando competência. Ela foi a primeira do país a jogar um torneio de Grand Slam. Já falecida, Ingrid, de família alemã, era uma tenista alta, forte e de golpes potentes. Já tinha ganhado dois Brasileiros de Adultos, em 1955 e em 57, esta última em cima da jovem Maria Esther Bueno.
E esta vitória sobre a nossa campeoníssima se tornaria marcante por gerar uma super polêmica. É que a Federação Paulista tinha uma passagem para dar a uma jogadora e com a vitória em 57 Ingrid se julgava no correto direito de ganhar este prêmio. Não foi o que fez Alcides Procópio, que deu a passagem para Maria Esther. Muito magoada, Ingrid largou o tênis por muitos anos e só depois voltaria a competir em 1977, mas aí já nas categorias veteranas.
Perdemos a chance de outro grande nome também brilhar no exterior. Ingrid tem muitos títulos internacionais, inclusive na Europa. Em 1956, Ingrid venceu na primeira rodada em Wimbledon a dinamarquesa Else Schmith, por 6/3 e 6/4, e na segunda rodada perdeu para a inglesa Pat Hird, por 3/6, 6/0 e 7/5. Curiosamente não jogou duplas femininas e nem mistas.
Mais pioneiros
Antes do reinado da inigualável Maria Esther Bueno, que é o foco principal deste artigo especial, ainda tivemos nomes importantes.
Em 1957, Maria Helena Amorim, então campeã brasileira adulta, teve uma passagem duplamente histórica por Wimbledon. Entrou para o Livro de Recordes quando cometeu 17 duplas faltas seguidas no começo de seu jogo. Nesmo assim Maria Helena, que era filha de um presidente da CBT, Paulo Pires Amorim, médico mineiro, ela ainda conseguiu levar o jogo para o terceiro set e perdeu por 3/6, 6/4 e 6/1 para a holandesa Berna Thung.
Carlos "Lelé" Fernandes" neste mesmo ano de 57 estreou no torneio e perdeu de virada na primeira rodada para o dinamarquês Jorgen Ulrich, por 3/6, 5/7, 6/3, 8/6 e 6/4. Em duplas mistas, Lelé e Maria Helena passaram duas rodadas e chegaram à terceira, quando perderam para Roy Emerson/Margareth Hellyer, por 6/4 e 7/5.
Já o paranaense Ivo Ribeiro fez algo expressivo também em 1957. Na chave adulta, perdeu para o sueco Ulf Sdhmidt, que seria quadrifinalista, por 6/2, 6/3 e 6/3, e depois foi vice na chave juvenil, superado na final pelo inglês Jimmy Tattersall, por 6/2 e 6/1. Vale lembrar que outros três juvenis uma década mais tarde fariam grande campanha: Barnes foi vice em 1959, o cearense Reno Figueiredo chegou na semi em 1966 e a paulista Vera Cleto, na semi de 1967.
Por fim, em 1958, quando Maria Esther estreou em Wimbledon, atingiu quartas de simples e já levou o título de duplas, merece destaque a campanha de Ronald Barnes. O talentoso e marcante carioca do Country Club fez terceira rodada em simples e em duplas, ao lado de Lelé Fernandes. Também jogaram simples e caíram no primeiro jogo o próprio Lelé e Ivo Ribeiro.
Por fim, cabe lamentar que grandes nomes do nosso passado não tiveram oportunidade de chegar aos Grand Slam, casos de Ricardo Pernambuco, Maneco Fernandes, Ivo Simoni, Humberto Costa, Roberto Whately, Ernesto Petersen, Sofia de Abreu, Cecy de Carvalho e Lucy Maia. A Segunda Guerra Mundial interferiu muito nisso e mesmo Wimbledon de 1940 a 1945 teve edições canceladas.
De uma forma ou de outra, todos estes importantes brasileiros aqui relembrados abriram as portas de Wimbledon às novas gerações, especialmente à insuperável Maria Esther Bueno, que com seu talento e arte lançou definitivamente o nome do Brasil no tênis internacional. Ainda que muito conhecida, essa rica trajetória merece é claro ser retratada em um próximo capítulo.
WALMOR ELIAS, gaúcho de Santa Maria, é bacharel em Comunicação Social e em Letras e Artes, também professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa. Atuou como jornalista especializado em tênis por 13 anos no Correio do Povo e nas extintas Folha da Tarde e Folha da Manhã, de Porto Alegre, e correspondente das revistas Tênis Ilustrado e Tênis. Entre 1977-89, foi dirigente da Federação Gaúcha de Tênis e presidiu a entidade por seis anos, foi vice da Confederação Brasileira entre 1984 e 86 e presidiu a entidade entre 1990 e 93. Aos 70 anos, coordena e dirige atualmente o documentário “As Inesquecíveis Histórias do Tênis Brasileiro” pelo canal Trotamundos do Youtube. Colaboraram com informações
e fotos deste artigo os clubes Paulistano, Harmonia e Pinheiros.