Era um quinta-feira ensolarada, 27 graus em Nova Yok, quando Maria Esther Bueno, Ronald Barnes e Thomaz Koch pisaram as quadras de grama do West Side Tennis Club, o mítico Forest Hills, na região de Queen's, para marcar há 59 anos o dia mais vitorioso que o tênis brasileiro jamais repetiu dentro de um evento de Grand Slam.
Imaginem como seriam as redes sociais e o mundo digital online hoje com a força descomunal que possuem se nós tivéssemos três tenistas avançando ao mesmo tempo para as quartas de final do US Open. O então juvenil Koch ficou nas quartas, mas o genial e talentoso Barnes, carioca do Country Club, atingiu a semi, a única da história brasileira no torneio. E a já campeoníssima Maria Esther caminhou para seu segundo troféu de simples - venceu em 1959 e repetiria em 1964 e 66 - ao ganhar da lendária australiana Margareth Smith.
Ligações sentimentais
Agora vemos o US Open jogado em quadras duras e rápidas, mas naquele ano, então a 83ª edição do chamado National era disputada em quadras de grama natural. O West Side Tennis Club tem ainda hoje outras três quadras de grama sintética, duas de saibro e 21 de har-tru. Foi o mesmo lugar onde o Brasil fez seu primeiro jogo de Copa Davis, em junho de 1932.
Ao longo de sua história, Forest Hills sediou 60 edições do US National Tennis Championships, como era chamado desde 1881 até o início da era aberta em 1968, sendo 11 delas já com o nome de US Open. Também aconteceram ali 10 finais de Copa Davis, três do antigo WCT. Foi onde criaram o sistema de cabeças de chave em 1927, o tiebreak em 1970 e a premiação igual para homens e mulheres em 1973. Dois anos depois, concluíram o estádio principal para 14 mil pessoas sentadas e que agora serve para concertos musicais. Foi nesse de 1975 em que foram concluídas as quadras de har-tru e começaram os jogos noturnos. Por fim, em 1978, foi inaugurado o National Tennis Center em Flushing Meadows e a sede do US Open se mudou para lá.
Se neste ano o gigantesco torneio superou a casa dos US$ 60 milhões de premiação, naquele 1963 o tênis ainda era amador, portanto não havia prêmios em dinheiro. Assim, nossos brasileiros fiizeram um feito extraordinário, mas não ganharam os prêmios milionários de hoje.
Prenúncio de uma grande geração
Neste ano de 1963 tínhamos o melhor juvenil do mundo, Thomaz Koch, nascido em maio de 1945 e, portanto, com 18 anos. Ganhou o maior evento juvenil da época, o Orange Bowl da Flórida, por onde passavam os maiores tenistas do mundo. O gaúcho já havia feito duas finais juvenis de Roland Garros, perdendo em 62 para John Newcombe e em 1963 para o grego Nilolas Kalogeropoulos. Já se vislumbrava que surgia um grande tenista que a história depois comprovaria.
Outros jovens promissores já vinham dando bons sinais, com resultados expressivos e chegando a semifinais e finais juvenis de Grand Slam, como Ivo Ribeiro em 1957, o próprio Barnes em 1959, vices em Wimbledon, e Edison Mandarino, finalista de Roland Garros em 1959.
No importante Orange Bowl, ganhamos em 1956 com Carlos 'Lelé' Fernandes, repetimos com dose dupla em 1958, com Barnes e Maria Esther.
Os números e os resultados provam: tínhamos uma boa geração surgindo. Ou melhor, uma geração muito especial, que prometia algo muito diferente. E saiu, com o auge em 1963. Ou seja, aquele feito do US Open de 1963 não foi por acaso. Para se fazer um grande tenista ou uma relevante geração é preciso trabalho de 10 anos, em média.
O Pan de São Paulo
Também vale lembrar que, pouco antes, aconteceu os fortíssimos Jogos Pan-americano de 1963, em São Paulo, que contou até mesmo com o então promissor norte-americano Arthur Ashe. E o tênis contribuiu com muitas medalhas para o Brasil: Barnes foi medalha de ouro em simples e duplas com Lelé Fernandes e Koch e outro gaúcho, Iarte Adam, excelente tenista que largou o tênis pela medicina, formaram a dupla medalha de bronze.
No feminino, Maria Esther foi campeã numa chave que tinha a grande mexicana Yolanda Ramirez e a marcante americana com títulos de Grand Slam Darlene Hard. Em duplas femininas, Bueno e Maureen Schaeffer ficaram com a prata e na mista ela e Thomaz Koch também foram à final. Ou seja, Maria Esther ficou com 3 medalhas, um ouro e duas pratas. Ela teve o contratempo de ser mordida por um cachorro que havia ganho do irmão Pedro antes do evento e mesmo assim jogou com uma proteção e atadura no local rasgado.
Não devemos deixar de registrar que os tempos eram bem outros, o tênis era amador e romântico, porém de qualidade indiscutível. E nosso tênis marcava presença por tudo que era evento significativo para a época.
O Brasil nos Slam de 1963
Não tivemos representante no primeiro Slam daquela histórica temporada, o Australian Open, mas colocamos quatro na chave principal masculina de Roland Garros. Lelé Fernandes perdeu na primeira rodada, Thomaz e Mandarino na segunda e Barnes foi às oitavas. Ainda se recuperando fisicamente, Bueno não se inscreveu.
Em Wimbledon, Koch e Lelé caíram na primeira rodada, sendo que Mandarino foi à segunda, chegou na terceira e Maria Esther fez quartas, eliminada por Billie Jean King.
Por fim, no inesquecível US National, o Brasil teve também a pouco conhecida Mari Habitch, que venceu um jogo em Nova York e depois foi eliminada. Depois esta tenista foi embora para os Estados Unidos com a família e há poucos registros sobre ela.
O torneio começou no dia 28 de agosto e chegamos então em 4 de setembro, com as três vitórias em oitavas de final. Barnes voltou à quadra no dia seguinte e venceu o local Dennis Ralston para ir à semifinal. Na sexta, Maria Esther bateu Nancy Richey para nova semi e Koch caiu em jogo super polêmico para o americano Chuck McKinley. No sábado, dia 7, fizemos duas semifinais, algo também espetacular. Estherzinha ganha da britânica Ann Jones e vai em busca do bi, enquanto Barnes perde para o americano Frank Froehling. Por fim, no domingo, Maria Esther faz uma partida espetacular e levanta o troféu em cima de Margareth Smith.
Esse US Open de 1963 foi um duro golpe para os americanos, europeus e australianos. Junto com a conquista de Maria Esther, o mexicano Rafael Osuña faturou o masculino. Também algo raro e difícil estava ocorrendo.
WALMOR ELIAS, gaúcho de Santa Maria, é bacharel em Comunicação Social e em Letras e Artes, também professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa. Atuou como jornalista especializado em tênis por 13 anos no Correio do Povo e nas extintas Folha da Tarde e Folha da Manhã, de Porto Alegre, e correspondente das revistas Tênis Ilustrado e Tênis. Entre 1977-89, foi dirigente da Federação Gaúcha de Tênis e presidiu a entidade por seis anos, foi vice da Confederação Brasileira entre 1984 e 86 e presidiu a entidade entre 1990 e 93. Aos 70 anos, coordena e dirige atualmente o documentário “As Inesquecíveis Histórias do Tênis Brasileiro” pelo canal Trotamundos do Youtube. Colaboraram com fotos deste artigo o Rio de Janeiro Country Club. A produção gráfica é da Santtec.