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Vinte anos sem o tênis genial de Ronald Barnes
13/12/2022 às 07h38
Walmor Elias*
Especial para TenisBrasil

Ao amanhecer sob um frio nova-iorquino de 6 graus, aquela manhã de 13 de dezembro de 2002, exatamente hoje completando 20 anos, não seria um dia qualquer para a memória do tênis brasileiro. Mas de uma forma solitária, quase anônima, longe da sua Pátria, num hospital daquela grande metrópole cosmopolita mundial, nos deixava talvez senão o maior, mas seguramente um dos mais talentosos tenistas que o Brasil já teve.

Como ele chegara àquela condição só, ao lado da esposa venezuelana Ella, sofrendo e combatendo um câncer de fígado que o agredia severamente há muito tempo e que nem sessões de quimioterapia conseguiram debelar essa doença ainda hoje tão terrível, imaginem lá atrás. Mas Ronald Winston Barnes, com um nome bem britânico, pela origem dos seus pais, tinha travado uma luta feroz e, já bastante debilitado, dava sinais que a batalha seria encerrada naquele dia.

Ronald Barnes, o Vovô, como seus antigos amigos o chamavam, por um problema nos dentes após um acidente quando jovem, estava só, já não tinha seus amigos companheiros de duplas, Carlos "Lelé" Fernandes, Thomaz Koch e José Edison Mandarino, que com ele viajaram longos anos entre 1958 e 1967, no circuito adulto, mas não ainda totalmente profissional como conhecemos hoje.

Para chegar lá, só, com a esposa Ella, sem filhos, longe dos amigos, do seu amado Rio, da sua Ipanema, do seu clube do coração, o Rio de Janeiro Country Club, Ronny, como consta em muitas chaves antigas, trilhara uma vida bem atribulada e desde que deixara o Brasil, abandonando precocemente o tênis, exercendo atividades bem diferentes, seu caminho quase foi de um ser que perdera o seu rumo desde que teve grandes e graves desilusões no tênis.

Na época não havia rede social vibrante como hoje e nem o mundo digital ágil e online 24 horas por dia. Mesmo assim, é triste ver que a sua morte teve escassa repercussão no Brasil e quase um silêncio unânime na imprensa tradicional. Depois e até hoje, sua memória é pouco reverenciada e ainda agora, ao falarmos em seu nome para jovens tenistas, é difícil encontrar quem o conheça. Um retrato da nossa fraca memória e história tenística brasileira.

Adeus Brasil, rumo aos EUA
Em 1967 Ronald Barnes jogaria seus últimos torneios no circuito mundial adulto, que estava prestes a iniciar a era que chamamos Open, quando o profissionalismo foi admitido e aceito, especialmente nos grandes torneios e Grand Slam e logo em 1972 se criaria a ATP.

Barnes largara o tênis e começou a trabalhar com publicidade, depois foi vender seguros, tinha casado com uma venezuelana e depois dos dissabores com o tênis, várias brigas com a CBT e seu presidente Paulo da Silva Costa, que naquele período também era presidente da ITF, este tenista chegara à conclusão que precisava encerrar este ciclo de jogador e tomar um outro rumo.

Em 1969 já estava na Pensilvânia/Filadélfia, onde num centro com 41 quadras começou a dar aulas de tênis e, curiosamente, também de badminton, padel e squash. Ele sempre teve facilidade por esportes, quando jovem tinha praticado futebol na praia, futsal, vôlei, natação e sempre teve habilidades múltiplas. Era apaixonado por pesca. Mas foi para o tênis, pois morava perto do Country e após a praia, bastava caminhar um pouco e já estava nas quadras, isso desde os 5 anos.

Lá na Pensilvânia ele ficou nove anos até 1978, quando seguiu para Nova Jersey. Mas o frio da região o fez não ficar muito tempo lá trabalhando com tênis. Logo foi em 1979 foi para o Tennessee, e de lá para a Flórida, onde teve uma academia de tênis por cerca de sete anos.

E depois tomou outro rumo e acabou em Nova York, onde continuou dando aulas e atuando no tênis por muito tempo. Porém, posteriormente, por volta de 2000, os problemas de saúde e o combate ao câncer já começavam a pesar e o seu corpo sentia os efeitos desta luta que era muito mais difícil do que os grandes jogos que fizera em cinco sets como jogavam vários torneios naquela época. Antes de falecer em 13 de dezembro de 2002 ele já não dava mais aulas há quase três anos e morreu aos 61 anos.

Exatamente em setembro daquele ano ele já tivera sustos e achava que estava prestes a morrer. Deu uma longa entrevista, por telefone, a um jornalista gaúcho da Folha de São Paulo. Para este grande e conhecido jornalista, que era um pioneiro especialista em informática, Rodolfo Lucena, ele falou bastante e resumiu seus momentos mais marcantes e não deixou de citar suas mágoas com a CBT, lá daquela época e seu presidente desafeto.

Antes de narrar os grandes feitos desta bela carreira de Barnes foi e é muito importante entender como um homem se desprende da sua paixão, corta abruptamente uma rotina marcante, abandona o prazer do que faz e, por desilusões, começa a perambular sem rumo por diferentes lugares e atividades. E Barnes fez isso exatamente aos 27 anos, na plena maturidade da sua carreira e isto não foi nada bom para o nosso tênis, tampouco para ele que ainda tinha muito a mostrar e veremos que não é pouco o que nos apresentou desde menininho lá no seu Country.



Raquete comprada com dinheiro achado
Não deixa de ser curiosa a forma como o nosso grande tenista começou neste esporte. Ele estava andando na rua e achou uma nota de dinheiro, muito alta para a época. Eram Cr$ 500 (quinhentos cruzeiros) e ao chegar em casa perguntou para a sua irmã Dawn quanto valia aquilo. Para sua surpresa, era muito dinheiro. Então, já que o pai ainda não tinha evoluído nos seus vários negócios, ele resolveu ir na loja e comprar uma raquete de tênis para começar a jogar no clube. Foi o azar da meninada no clube. Ele tinha uma habilidade incomum e logo, cinco, seis e sete anos começou a ganhar dos colegas.

Ronald nasceu em 1º de janeiro de 1941. Seus pais vieram da Inglaterra e se estabeleceram no Rio. O pai teve vários negócios, couro, agência de automóveis, empresa de investimentos, seguros e foi presidente da Crush do Brasil, de refrigerantes. Começou aos 20 e se aposentou aos 79 anos e já bem estabilizado financeiramente.

Mas, no início, o pai não tinha dinheiro para raquetes e aqueles 500 cruzeiros foram decisivos e influíram decisivamente na vida do rapaz que estudava na Escola Americana, da classe média alta do Rio, posteriormente, mesmo quando jogava. Antes de viajar pelo mundo teve curta passagem pelo exército, no que se chamava CPOR.

Eram três irmãos, Reginald e Dawn, um casal ainda vivo, e Ronald. Todos jogaram bem tênis. E algo muito original e raro na vida destes três. O maior evento da época era o Campeonato Brasileiro de Adultos, pois Ronald ganhou três vezes em simples e venceu também duplas masculinas com Reginald, que ainda vive no Rio, e dupla mista com Dawn, que agora mora nos EUA. Algo que ninguém jamais conseguiu de 1943 até 1990, quando o Brasileiro foi realizado e monopolizava as atenções dos melhores do País.

Talento meteórico
É impressionante a carreira dele. Um verdadeiro meteoro que, além de vencer, angariava fãs por onde passava pelo seu estilo belíssimo, uma extraordinária esquerda e uma velocidade muito grande para se deslocar na quadra.

Um dos seus inseparáveis amigos, Roberto Marcher, técnico e autor de livro importante no tênis, resume Barnes: "Como pessoa era excelente. Alegre, brincalhão, pessoa do bem, um grande amigo. Como tenista era excepcional. O golpe de direita dele não era na forma como se usa hoje. Sua esquerda era notável, chapada e com um leve slice. Nunca vi alguém volear como ele, especialmente o da esquerda. Tinha reflexos rápidos incríveis na quadra, muita agilidade para estar em qualquer parte da cancha. Devolvia muito bem o saque. Ele lia rápido e muito bem o jogo, logo captava, sentia e sabia como agir. Não me lembro de alguém tão talentoso como ele no tênis brasileiro".

No tênis carioca ele começou a vencer torneio após torneio. Depois foi a vez dos Brasileiros Infantojuvenis, na época, até 9, 11, 13, 15 e 18 anos. Ele ganhou todos, cinco. O primeiro foi sobre o bom tenista e depois técnico de Luiz Mattar, Airton Cunha, e a vitória foi no Clube Caiçaras, em 1948. Airton foi um bom jogador, técnico respeitado e depois atuou por décadas na Sociedade Harmonia de Tênis.

O fenômeno se mostrou mais evidente quando ainda com 17 anos venceu o Brasileiro de Adultos, superando o seu amigo Lelé Fernandes, em 1958, no Pinheiros. Neste torneio foi que ele venceu em parceria com o irmão Reginald e, curiosamente, sobre outros dois irmãos, Lelé e o lendário Maneco Fernandes. No ano anterior ele e outro parceiro, Ronald Moreira, já haviam vencido os mesmos irmãos Fernandes, ícones do nosso tênis.

No ano seguinte ele fez algo especial no Brasileiro de Adultos. Ganhou simples novamente de Lelé Fernandes. Foi lá em Recife e ganhou duplas masculinas e duplas mistas. Não deixou dúvidas, era o melhor do País.

Em 1960 teve um percalço em Porto Alegre, perdendo em simples para José Flávio Egídio de Carvalho (Micuim), mas com a irmã Dawn venceu as duplas mistas derrotando seu amigo Fred Muniz-Lucy Maia e, com Jorge Paulo Lemann derrotaram nas duplas masculinas os gaúchos Thomaz Koch-Iarte Adam.

Quando ia a Recife se hospedava na casa de Fred Muniz, que resume sua opinião sobre o seu ídolo: "Ronald Barnes na minha opinião, nasceu para jogar tênis, como Pelé veio ao mundo para jogar futebol. Na sua época o profissionalismo era muito insípido ainda, o que fez ele não levar tão a sério sua vida cotidiana, e mesmo assim marcou sua presença no tênis internacional. Sem sombra de dúvidas, um talento nato do esporte brasileiro". Fred, atual presidente da Federação Pernambucana de Tênis, jogou duplas em parceria com Barnes, atuou contra em simples, ganhando e perdendo, mas depois o carioca tomou uma longa distância técnica entre ambos.

Barnes ainda ganharia o Brasileiro de Adultos de 1965 do gaúcho Thomaz Koch, que é de 1945, quatro anos mais moço do que o carioca. Um dos três grandes eventos da época, junto com o Brasileiro e o Aberto de Curitiba (Graciosa), no Aberto de Santos, Barnes fez sucesso nos adultos já com 16 anos. Perdeu a final de 1957 para Maneco Fernandes. Venceu em 1958 a Edison Mandarino. Em 1959 e 60 venceu nas finais a Arnaldo Moreira (Anão).

No Aberto de Curitiba ele ganhou em 1958 e 59 em simples e acumulou mais títulos de duplas, inclusive nas mistas com a irmã. Quando um tenista ganhava estes três torneios, a Tríplice Coroa de Ouro dos nossos eventos, na época, era porque havia um nome especial para marcar história com tais feitos. Raros brasileiros conseguiram isso, lá bem antigamente.

Brilhando lá fora
Fora os títulos sul-americanos que ele também ganhava, infantojuvenis e adultos, cujos nomes se chamavam Copas Mitre, Copa Patiño e Copa Álvaro Osório, ele ia começar uma carreira internacional.

Barnes fechou um ciclo de ouro brasileiro no famoso e respeitado Orange Bowl. Lelé Fernandes foi o primeiro em 1956. Maria Esther Bueno venceu em 1957. Barnes ganhou em 1958 ainda com 17 anos. E arrematou de forma espetacular o Mundial Juvenil da época, a Sunshine Cup, em parceria com Edison Mandarino. E ganhando lá na casa deles, dos americanos. Dava para ver que tínhamos uma geração de ouro, que culminaria com Thomaz Koch ganhando o mesmo Orange Bowl em 1963.

Em 1959, Barnes repetiria outro brasileiro, Ivo Ribeiro em 1957, ambos chegam à final junior de Wimbledon. Mas antes, em 1958, ele chegara à semifinal e mostrava a que veio

O calendário profissional não era como hoje, mas havia uma série de torneios, por países, em que os melhores, amadores e profissionais jogavam. E Barnes acumulou títulos em Portugal, Bélgica, Turquia, Grécia, Canadá, Suíça e Estados Unidos. Pode-se alegar que não eram como os bem organizados e divulgados torneios ATP de hoje. Porém, tinham grandes tenistas em cada um. De uma forma diferente eles ganhavam 350, 500 e 1.000 dólares para participar, além da hospedagem e até mesmo passagens. No seu auge, Barnes chegou a ganhar até 6.000 dólares para participar de torneios no exterior, pois já era um nome conhecido.

Há um torneio, o do Canadá, que é aquele em que Ronald Barnes sempre deu um lugar de honra entre seus tantos troféus. Este evento foi em forma de 'round robin', todos contra todos. E simplesmente Barnes venceu todos os adversários e não eram desconhecidos: Roy Emerson, na final, número 1 do mundo na época; Manuel Santana, Fred Stolle, Nicola Pillic, Jai Dick Mokdfi, Michel Belcken. Isto foi em 1967, uma semana antes de Forest Hills, que era o US Open na época. O carioca também teve, em outras ocasiões, vitórias sobre Rod Laver e Ken Rosewall. Durante o ano os tenistas viajavam em muitos lugares e torneios.

É de se destacar que Barnes jogou como titular da Copa Davis de 1958 até 1965, quando ocorreram as maiores desavenças com a CBT e Paulo da Silva Costa. Foram 14 confrontos e duas situações. Uma é que não teve nenhum resultado assim tão expressivo para a equipe, que contava entre os singlistas Ronald Barnes e Lelé Fernandes e já surgindo e aparecendo Koch e Mandarino. Porém, todos os jogos o Brasil jogava fora, pois na época, estranhamente, integrava o grupo europeu. Isso dificultava muito sempre enfrentar os europeus lá na casa deles.

Em 1963, nos Jogos Pan-Americanos que foram disputados em São Paulo, Barnes ganhou o ouro em simples e duplas, nesta em parceria com Lelé Fernandes. Os gaúchos Thomaz Koch e Iarte Adam ficaram com o bronze. Na final, Barnes venceu o mexicano Mario Llamas, por 6/3, 6/0 e 6/4. Maria Esther ganhou o ouro nas simples e nas duplas, com a cearense Maureen Schwartz, perdeu a final, o mesmo correndo com Thomaz Koch, nas mistas, ou seja, duas pratas.

Nesse mesmo ano de 1963, decidiu o importante Aberto da Argentina contra o italiano Nicola Pietrangeli, outro ícone do tênis amador, e vendeu caro a derrota, com placar de 6/2, 4/6, 6/4 e 6/3.

US Open de 1963: auge
De 1958 até 1967, Barnes jogou muitos torneios de Grand Slam, especialmente Roland Garros, Wimbledon e US Open, porém não há registros importantes do Australian Open. Na realidade, este torneio sempre foi o mais difícil para os brasileiros e sul-americanos devido à distância e pelo alto custo das passagens.

O auge e o melhor de Barnes é um resultado único para o tênis brasileiro, pois até hoje só ele chegou às semifinais do US Open entre os homens. Isto ocorreu em 1963, quando ele venceu no dia 4 de setembro pelas quartas de final. É um feito notável e coroou a sua carreira, que mesmo encerrada precocemente teve alta relevância e é inegável que a média dos seus resultados o coloca entre os maiores do nosso tênis em toda a história.

Os resultados da campanha de Barnes neste torneio foram muito bons, começando a eliminar os americanos Paul Spelcher, depois Thomas Edlefsen e o australiano Ken Fletscher. Aí vieram as oitavas batendo o inglês Roger Taylor, por 7/5, 7/9, 7/5 e 8/6, e nas quartas eliminando o local americano Denis Ralston, de forma categórica e indiscutível um dos melhores do mundo, por 6/4, 7/5 e 6/3.

Na semifinal Barnes foi superado pelo americano Franck Froehling, por 6/3, 6/1 e 6/4. Na final, o americano amargaria uma derrota para o tenista do país vizinho, o México, de Rafael Osuña, por 7/5, 6/2 e 6/4. E os americanos ainda veriam Maria Esther Bueno vencer a grande australiana Margareth Smith, por 7/5 e 6/4. O Brasil e o México impunham um duro golpe no tênis americano vencendo o US Open.

Neste torneio de 1963, ainda em Forest Hills, na grama, o Brasil atingiu o maior feito e momento da sua história, em torneios individuais. Teve um quadrifinalista, Thomaz Koch, com apenas 18 anos; um semifinalista, Ronald Barnes, com 22 anos, além da campeã Maria Esther, quase completando 23 anos. Esta campanha brasileira notável foi completada ainda com o vice de duplas de Estherzinha, em parceria com Darlene Hard. É difícil um dia repetirmos uma façanha tão espetacular, quase inigualável!

O retrospecto de Barnes em Grand Slam de 1958 até 1967 é muito grande. É de se destacar no US Open a semifinal de 63 e as quartas de 1967. Neste ano, 67, quase ele conseguiu uma nova semifinal, eliminado nas quartas numa longa e épica batalha contra o dinamarquês Jan Leschly, por 7/9, 6/4, 2/6, 6/3 e 8/6. Mais um jogo memorável de Barnes, uma dura e amarga derrota.

Em Wimbledon, três vezes foi à terceira rodada, 1958 (ainda junior com 18 anos), 63 e 66, além de quartas de duplas em 1964. E em Roland Garros Barnes conseguiu o seu melhor em 1964, quartas de final, quando perdeu para Manuel Santana, um gigante do tênis mundial. Em 1961 perdeu para Rod Laver nas oitavas e caiu na mesma rodada em 1963. Ou seja, um currículo muito bom, mesmo que tenha se aposentado jovem, aos 27 anos.


Foto (esq. para dir.): Barnes, Koch, Costa, Mandarino e Fernandes.

Gênio, mas indisciplinado
É difícil de se entender como um tenista tão talentoso e significativo terminou em Nova York, naquele frio dia 13 de dezembro de forma tão anônima, solitária, um tanto melancólica e pouco reconhecido. Mas vamos tentar algo bem complexo, buscar decifrar como isso aconteceu.

É inegável que Ronald Barnes era um tipo bem diferente. Muito habilidoso e talentoso nas quadras. Arredio a treinar, cuidar do seu preparo físico e ainda por fim um típico carioca 'bon vivant' de antigamente, alegre, gostava da noite, cultivava um carteado e neste roteiro nunca faltariam mulheres bonitas no seu caminho. Era o típico talentoso indisciplinado, mas uma pessoa do bem. Todos gostavam dele.

Já vimos isso na vida, no esporte e no tênis os exemplos são fáceis de se encontrar. Deus dá um talento e habilidades excepcionais a um ser humano, mas nós não sabemos ter uma disciplina suficiente para moldar e construir carreiras que muitas vezes se perdem nas artes, cultura e no esporte. Há um pouco disso tudo misturado em Barnes.

Houve uma confluência ruim para o tênis brasileiro naquele período. Tínhamos grandes tenistas e muito talento em Barnes, Thomaz, Mandarino, Lelé Fernandes, Ivo Ribeiro, Iarte Adam, Jorge Paulo Lemann, Ingrid Metzner, Maureen Schwartz, Maria Helena Amorim, Lucy Maia, Suzana Petersen, Vera Cleto e a inigualável Maria Esther Bueno, até hoje o maior nome do tênis sul-americano. Nesta época e com esta geração teve um dirigente que surgiu e deve ter sido o maior do tênis brasileiro, Paulo da Silva Costa.

Era um homem bem diferente, engenheiro e de família tradicional, com estabilidade financeira para poder viajar permanentemente, muito sério, correto e digno, mas demasiado rigoroso e até conservador demais para entender que havia em suas mãos verdadeiras joias, pedras preciosas, raríssimas para um esporte como o nosso tênis das décadas de 1950-60. Era uma época amadora, romântica e sem nenhum dinheiro significativo como temos hoje, que sobram recursos. E o temperamento rigoroso de Paulo não era nada fácil de se aceitar. Ainda mais tipos irrequietos como Barnes.

Paulo da Silva Costa era habilidoso na política, dominava vários idiomas e falava especialmente muito bem o francês, que era o idioma oficial da FILT, que ainda não tinha esse nome de hoje, a ITF. E ele conhecia muito tênis, não se pode negar isso. Por isso, por viajar muito e estar presente em todos os lugares, foi eleito presidente da hoje chamada ITF, algo raro, raríssimo, o único sul-americano que conseguiu isso, inclusive nenhum tem esse feito fora dos europeus-americanos-australianos. Nunca houve um presidente da ITF africano, asiático, sul-americano e/ou centro-americano escolhido pelas 213 associações nacionais da Federação Internacional de Tênis/ITF. Ele conseguiu isso.

Paulo aplicou e era mestre em sentenciar pesadas suspensões nos nossos tenistas por, chamemos assim, "pequenos deslizes". E com o irrequieto e talentoso Ronald Barnes isso era quase sistemático. Suspensões de 3, 6 e 12 meses pesavam muito na carreira dos tenistas que se viam bloqueados numa livre circulação. Isso foi fatal para azedar definitivamente a relação Paulo/Barnes.

O tenista que é homenageado com a quadra 1 do Country do Rio se julgava na condição de titular da equipe. Tinha bons resultados e ele inclusive se imaginava como, no mínimo, número dois da equipe. Achava especialmente que a a escalação de Mandarino era dele. Mas isso não ocorreu. Convenhamos que a sinergia de Koch e Mandarino foi altamente marcante e teve frutos incontestáveis na Copa Davis e na nossa história.

E se há lugar que sempre houve polêmicas é em convocações e escalações de Copa Davis. Que o digam nossos ex-capitães Paulo Cleto, Ricardo Acioly, estes dois semifinalistas da Davis, e João Zwetsch, que ficou 8 anos no cargo.

Entre 1965 e 66, inclusive Barnes vencera o número 1 do mundo, Manuel Santana. Já ganhara de Roy Emerson e mesmo do inigualável Rod Laver. Mas ele terminou realmente não fazendo parte da famosa foto de 1966, quando o Brasil venceu em Porto Alegre os Estados Unidos, por 3 a 2, num momento mágico do nosso tênis. Isso o machucou severamente.

Desavenças geram um técnico
Depois de se aposentar, desiludido, após seu precoce casamento e ir para os Estados Unidos, Barnes terminou sendo professor de tênis e mesmo técnico de alto rendimento. Treinou tchecos, espanhóis, iugoslavos e até mesmo os ingleses que tinham vínculos com a Copa Davis.

Seu nome tem uma boa ligação com as carreiras das irmãs Barbara Jordan e Kathy Jordan. Ele atuou e influiu para estas duas irem e conseguirem bolsas de estudos na Universidade de Stanford, onde tiveram belas carreiras no tênis universitário americano, que na época era muito valorizado e celeiro de grandes talentos. Barnes realmente treinou as duas irmãs e tinha ligações com o pai delas, Bob. Barbara ganhou em simples o Australian Open de 1983 e chegou a 37ª do ranking. Kathy alcançou o top 5 em 1984. foi vice no Aberto da Austrália e ganhou cinco Grand Slam em duplas.

Barnes depois que foi para os Estados Unidos em 1969 visitou poucas vezes o Brasil. Ele, entre tantas mágoas com a CBT, uma delas é marcante. Cita que se ofereceu para trabalhar na equipe da Copa Davis, não interessava se como capitão ou mesmo técnico. A entidade alegou na época que não havia verbas para isso. Ele, por sua versão, dizia que a entidade nem o chamou para conversar e discutirem uma forma de atuação conjunta. O descaso e a inabilidade no trato deste assunto ficaram registrados no seu coração e na sua memória.

Numa tumultuada eleição da CBT, em que inclusive tivemos uma intervenção, a primeira das três ocorridas na história da entidade, Ronald Barnes nunca escondeu que trabalhou contra a reeleição de Paulo da Silva Costa, em 1968, se unindo inclusive a São Paulo e seu presidente, Alcides Procópio, e ao presidente da Federação do Rio, Gabriel Figueiredo.

Paulo venceu a eleição, por um voto, 17-16, mas esta foi anulada de forma polêmica e controversa, pois o sistema de pesos diferentes de votos para os estados/federações era complexo. Aí foi a vez de Paulo da Silva Costa se desiludir e abandonar definitivamente o tênis e nunca mais se envolver com o nosso esporte.

Ninguém ganhou nessas brigas e desavenças e o tênis foi quem mais perdeu e teve prejuízos marcantes e incalculáveis. Naquele momento Barnes e Costa eram muito importantes para nosso crescimento. Tinham valor e reconhecimento internacional. A vaidade humana, os temperamentos bem diferentes, gênios difíceis, os separaram.

Numa coisa ambos tiveram um fim igual. Os jovens pouco sabem deles e das suas importâncias. Barnes morreu lá em Nova York, solitariamente. Paulo aqui não tem quase nada registrado em seus dados. Aqui não há uma linha sequer sobre Paulo da Silva Costa, nem se sabe a data do seu nascimento e da sua morte.

* WALMOR ELIAS, gaúcho de Santa Maria, é bacharel em Comunicação Social e em Letras e Artes, também professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa. Atuou como jornalista especializado em tênis por 13 anos no Correio do Povo e nas extintas Folha da Tarde e Folha da Manhã, de Porto Alegre, e correspondente das revistas Tênis Ilustrado e Tênis. Entre 1977-89, foi dirigente da Federação Gaúcha de Tênis e presidiu a entidade por seis anos, foi vice da Confederação Brasileira entre 1984 e 86 e presidiu a entidade entre 1990 e 93. Aos 70 anos, coordena e dirige atualmente o documentário “As Inesquecíveis Histórias do Tênis Brasileiro” pelo canal Trotamundos do Youtube. Pesquisa para o artigo feitas na Biblioteca Nacional. Colaboraram Fred Muniz, Ivo Ribeiro e Roberto Marcher. Fotos: acervo do Rio de Janeiro Country Club. A produção gráfica é da Santtec.

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